Acreditamos saber quem é a esfinge, mas ignoramos o que oculta o hibridismo homem-besta, revelador de díspares noções de mundo. A esfinge egípcia é masculina: é o faraó de barba e toucado, é antigo leão solar da força. A esfinge grega é feminina: alada, enigmática, castigadora dos que solucionam os desafios. A semelhança estética não autoriza analogia de significado, porque a arte e o mito representam a humanidade dos seres criadores: a sociedade egípcia é diferente da grega, apesar dos contactos que mantiveram entre si.
Há muitos conceitos de arte e é impossível contê-los dentro de muros, tal como não conseguiríamos encerrar o grande Tejo, o Nilo, o Amarelo ou o Amazonas. A arte pode representar o belo, porém, de pouco nos valerá esta ideia, já que não saberemos afirmar com propriedade o que é o belo. A arte moderna, desde os dadaístas, contém um relevante fator polemizante, colocando-se em causa ou procurando levar a sociedade ao tribunal dos loucos. A arte é manifestação de um tempo, de uma sociedade e da vitalidade dos indivíduos com qualidades mediúnicas, agentes que materializam as reflexões sobre si (o único e singular) e sobre o coletivo. O escritor, assim, é ponte entre dois algos imprecisos.
A literatura coloca-se no patamar difuso da arte, sem ser possível garantir o exato contorno dos sentidos. O significado da literatura é vasto e multiforme, é a hidra mil vezes renascida pela mão dos escritores que a alimentam, cada qual com desígnios pessoais, os medos, ambições, taras, fantasias, denúncias. A escrita ficcional pode ser lúdica ou panfletária, mágica ou realista, vernácula ou erudita, sem que nenhuma das opções vença. Quem afiançará que um género literário é superior a outro? Quem afirmará que, dentro de cada género, uma tipologia é mais satisfatória do que outra?
Toda a literatura ficcional, boa, má ou assim-assim, é expressão da humanidade do autor, da pessoa que escreve. Se mente, a mentira é o carimbo do seu sujeito; se revela, prova a franqueza.
Nas duas décadas que levo de dinamizador de escrita criativa, consolidei que, apesar das areias movediças dos conceitos, há literatura melhor que outra, sem estar relacionada com catalogações de géneros ou tipologias. O que une o escritor ao leitor não é a língua (há traduções), nem a cultura (há intercâmbio), é sim a humanidade, o fator que torna comuns. A escrita humana é a melhor, seja a de teatro, poesia ou prosa. Palavras capazes de descrever sinceramente as alegrias da vida e os seus rigores são compreendidas por qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, porque, apesar de todas as variações culturais, as pessoas serão pessoas.
Tal como uma peça musical invoca estados de alma, sem proferir uma única palavra, também a boa prosa evoca a alma do leitor, e nem sempre para o agradar.