A visita que o Oniromante da Azaruja fez ao sonho do ministro das finanças, reputado político, resultou no acesso a informações invisíveis a qualquer outro jornalista. Já o anotei na lista de prestimosos informadores, que guardo na memória, por força da segurança que merecem as minhas fontes do mundo obscuro.
Não só descobri que o ministro desviava dinheiro público para cofres esconsos além-fronteiras, como também que ele e alguns parlamentares não são humanos. Uma súcia de obscuros instalada na política, sob controlo do Homem de Ferro, o maior inimigo da Velha das Fitas Vermelhas e dos oniromantes. O ministro e mais algumas pessoas do Parlamento são mantas protegidos por um encantamento de alta-costura, digamos assim. Os mantas são criaturas batráquias de águas pestilentas, que afogam e comem qualquer humano que se avizinhe das margens. Têm o dobro da altura de um humano comum, cornadura espiralada e buracos fundos na vez dos olhos, onde dançam labaredas constantes, por vezes usadas como lança-chamas.
O que os transforma em bem vestidos deputados é da mais alta fábrica, uma magia de “vera-figura”, em que se ludibria os cinco sentidos, talvez cozinhada pela própria Gancha, consorte do Homem de Ferro. Quando soube da conspiração, fui assistir a sessões da Assembleia com os meus óculos de escama ótica de narval. Detetei-os todos, na sua tenebrosa presença. Faltava descortinar os seus intentos malignos. Após vigia obstinada, descobri que se reuniam numa herdade a quilómetros de Lisboa, mosqueada de salgueiros e charcas paradas. A lonjura do casarão para o interior da propriedade murada não permitia abeirar-me para ouvir os seus planos, porém sei que só o mal os entretém e contenta. Onde obter mais informações? Porque querem dinheiro? Porque desejam o poder político dos homens?
O chefe da redação não deixou publicar as notas sobre os embustes do ministro, com a justificativa da gravidade das acusações não ter fontes sólidas. Fiquei-me por uma reportagem sobre personagens televisivas do momento, com profundidade de folhas de papel. A vida de jornalista de mundos paralelos não é fácil. Só me restava ir ao Mundo Contrário indagar as novidades. O Mundo Contrário, fica aqui o segredo, é o mundo inverso ao nosso onde, numa liberdade total, transitam criaturas de luz, seres do obscuro ou sujeitos neutrais. No contrário de Lisboa há uma Aobsil, do Porto uma Otrop, de Paris uma Sirap, e por aí segue este universo. A diferença é que as povoações têm uma luz rósea misteriosa e o espaço entre elas é escuro como betume, sem alto nem baixo, nem frente nem atrás. Os dragões felpudos são os únicos que se adentram nas estradas da noite de alcatrão, e as percorrem como se de facto existissem direções e sentidos. Contudo, isso é outra história, que terei de contar aos meus pacientes leitores.