Os barcos não chegam e as semanas passam. Milhares de pessoas acampam nas dunas, por quilómetros, do melhor modo que podem. Umas trouxeram com elas equipamento de campismo, caravanas, outras tiveram de encontrar materiais nas redondezas para construir cabanas improvisadas. Não há casas de banho, por isso existe uma faixa de imundice, a cercar os campismos. E, para lá, os corpos enterrados. Não sabemos que radiação apanhámos. Estávamos distantes das bombas, mas sabemos bem como a radiação se pode espalhar. Talvez seja por isso que morremos. Ou das doenças provocadas pela insalubridade em que vivemos. Ou ainda da fome, a comida para pilhar está cada vez mais longe dos acampamentos. Comida enlatada, pouco saudável, sabemos que pode estar contaminada. Como a água, que escorre pelas rochas das fragas das praias e bebemos. Como a água salgada do mar onde nos banhamos.
Nos primeiros dias, éramos cada vez mais pessoas, chegavam sempre mais do que aqueles que morriam. Mas depois deixaram de chegar, apesar de se continuar a morrer muito.
Vim para aqui, porque nos falaram dos barcos que estavam a levar pessoas. Mas muitas já cá estavam, muitas chegaram depois, e não tive lugar nos que partiram naquela altura. Foram poucos e saíram nos primeiros dias. Houve promessas de que voltariam ou viriam outros. As semanas passam sem que mais algum chegue. Muitas pessoas vieram, muitas pessoas morreram. Mas ninguém nos vem buscar.