“A Espera” (Iguana), de Keum Suk Gendry-Kim: Melancolia a preto-e-branco
A genuinidade não tem uma só forma de expressão. Keum Suk Gendry-Kim (Goheung, Coreia do Sul) desenhou a sua a preto-e-branco. “A Espera” (Iguana, trad. Yun Jung In) é um pungente relato na forma de narrativa gráfica.
O que faz um leitor português interessar-se por um período histórico das duas coreias?
A resposta é simples:
No particular mora o universal.
A autora sul-coreana alia demónios culturais a arquétipos.
As lutas por território e ideologias, as lutas com letra maiúscula, são coisa pouca junto ao drama individual. Não há dor maior do que a perda de um filho, não há dor maior do que uma mãe que não sabe se o filho está vivo ou morto. Essa negação do luto é um medo primitivo.
Em “A Espera” tudo se perde. A raiz e a descendência, a casa e o emprego, o filho e o marido, a saúde e a vida.
Keum Suk Gendry-Kim ouviu a mãe contar-lhe que se separou da irmã durante a Guerra da Coreia. A solução para a mãe da autora foi não parar, foi continuar a andar e não desistir.
Esta história inspirou Gendry-Kim a escrever “A Espera”. Para isso, entrevistou também coreanos separados pela guerra.
A Guerra da Coreia aconteceu entre a Coreia do Sul e do Norte. O território do Sul foi apoiado pelas Nações Unidas e pelos EUA enquanto o Norte teve o apoio da URSS e da China. Este conflito pôs fim à breve esperança dos coreanos em serem um povo independente e pacífico, após 35 anos de ocupação japonesa. A migração provocada pela guerra foi desumana; a pobreza, as armas e o desprezo mataram milhares de pessoas e separaram muitas famílias.
Um dos grandes méritos da autora é o de não ter sido sufocada pela História. Há um contexto tão rico que é indissociável do drama pessoal. Um provoca o outro. O risco de falhanço era enorme.
O drama esvanece-se no número. Deixamos de ver as caras e de saber os nomes quando as pessoas são muitas. Para simplificar, falamos em números e nessa simplificação a humanidade desaparece. “A Espera” consegue tudo ao mesmo tempo. O leitor percebe o drama histórico, consegue entender que o horror foi comum a milhares de pessoas e sofre com esta mãe que perdeu o marido e o filho no êxodo, que viu crianças abandonadas pelas mães à beira da estrada, fome a depauperar a vida, sangue espalhado pelas bombas.
“A Espera” é a história de uma ferida que parece não sarar. Keum Suk Gendry-Kim amarrota o coração do leitor sem cair em melodramas fáceis, ou em manipulações emocionais ostensivas.
São páginas sóbrias, a preto-e-branco, carregadas de melancolia, tristeza e, sobretudo, muita sensibilidade.