Em Monchique, na Casa das Palavras, ouvi José Carlos Barros, vencedor do Prémio Leya – 2021, relatar que a escrita lhe era dolorosa, sobretudo a prosa, mas também que lhe era imprescindível. A arte é assim mesmo, seja a ficção escrita, a pintura a óleo, ou a escultura de mármore, toda ela é uma entrega do artista, do criador, do fazedor, que é impulsionado por algo que não consegue descrever completamente.
Não me cabe (nem sei) descrever os processos psico-sociológicos que animam o criador para a criação, sendo certo que têm algo de misterioso e inenarrável, mas também um lado racional e passível de análise. Há uma falta, um sentido de vazio a preencher dentro do escritor, é certo, nesse momento nasce o desejo de supressão da lacuna, objetivo que só pode ser alcançado com a escrita. É inevitável. O problema maior desta dialética é a frustração que os mais impacientes podem sentir por não conseguirem suprimir de imediato o vazio, por ambicionarem criar de imediato a grande obra que os saciará para todo o sempre. É como pretender acabar com a sensação de fome através de uma refeição pantagruélica, capaz de preencher o corpo com satisfação sempiterna. O valioso conselho a dar é o clássico aristotélico, a via do meio, o bom senso, ou seja, a medida equilibrada das coisas.
Que o escritor preencha o buraco anímico através da escrita como arte processual, evolutiva: textos pequenos, textos médios, textos grandes, pensamentos e elucubrações, exíguos quadros, retrato de personagens, esboços de personalidades, descrições de cenários e paisagens, expressão de emoções, diálogos… Em cada insignificante trabalho, em cada exercício didático de autoaprendizagem, o obreiro treina o paladar, percebe melhor as misturas, compreende os fracassos e imperfeições, antevê as suas forças e fraquezas e, subtilmente, cresce de acordo com a sua inclinação, digamos, natural. O que nunca pode acontecer é a procrastinação, a preguiça, o adiamento, a ausência de trabalho criativo, porque o vazio atrai o nada, ao passo que a energia da criação atrai mais fogo e mais invenção.
No íntimo, acredito que o ato de criar, numa sociedade em que o Homem-máquina se impõe desde os alvores do capitalismo industrial até ao tempo presente da inteligência artificial, é sempre uma religação ao gesto divino e primordial. Não é preciso reler Marx para compreender como é doentia e alienante a separação entre pessoa e o produto do seu trabalho. Todo o verdadeiro ato criativo é significante porque demonstra o poder espiritual e vivificante do artesão de letras, mas também significativo, pois preenche o autor de pleno sentido existencial, tornando aquilo, mesmo que tortuoso, em algo prazeroso, no final.
Preencher a fome de escrever é assistir a uma necessidade, mas, sobretudo, é um fator de prazer.