O avô António seguia no seu ritual diário, rumo à escola para apanhar o neto e levá-lo para casa.
A saída da escola era um momento muito especial, pelo qual esperava com muita alegria. Era o ponto alto do seu dia. O frenesim das crianças, correndo e gritando ansiosas por encontrarem os braços acolhedores dos seus familiares ou cuidadores, era um alimento para o seu coração, enternecido pelo pulsar daquela energia contagiante.
Naquele dia o João vinha pensativo e algo taciturno.
O avô reservou uns minutos de silêncio para que o neto pudesse acomodar o que quer que lhe tivesse perturbado a habitual boa disposição e vontade de partilhar os acontecimentos do dia.
Contudo, o silêncio perdurou impondo uma barreira difícil de transpor. Parecia que o João estava ausente noutro mundo.
O avô decidiu quebrar o silêncio:
— Olá querido neto, como correu o dia?
— Olá avô, estou um pouco irritado!
— Não queres contar ao avô o que se passa?
— Sim … na aula de Cidadania estávamos a debater formas de nos divertirmos sem ser através do telefone ou ligados ao computador. O Gaspar disse-me que eu era infantil por gostar de legos e módulos de construção e disse à Mafalda que dançar não era uma actividade, era um desporto e competição.
— E o que te chateou mais?
— Eu queria gostar de jogar à bola para ser popular, para todos gostarem de mim…
— Vou contar-te uma história. Pode ser que te ajude a olhar para essa situação de modo diferente. Queres?
— Sim. Apesar de estar triste, quero sim!
Era uma vez um Rei chamado Gastão. Era um Rei que tinha tudo o que queria. Vivia num país cheio de florestas, rios montanhas e vales lindos.
Apesar de ter toda a riqueza que pudesse imaginar, não se sentia satisfeito.
Certo dia, decidiu chamar o jardineiro do palácio.
— Florêncio, quero incumbir-te de fazeres o mais belo jardim alguma vez visto! disse o Rei.
— Sua Majestade, é com muito honra e orgulho que recebo esse desafio, mas as plantas levam o seu tempo a crescer e por isso é necessário ter paciência para que elas desabrochem.
— Sim Florêncio, estou ciente disso. Serve-me de treino para praticar a virtude da paciência.
O jardineiro foi plantando árvores e plantas, foi semeando flores e o tempo foi passando.
Certo dia, o Rei pediu ao jardineiro que o levasse ao jardim para ver o progresso alcançado até àquele momento.
Havia um canteiro de roseiras cujos botões definhavam. O Rei, curioso, perguntou a Florêncio o que se passava com aquelas flores.
Florêncio respondeu dizendo que, por mais que conversasse com os botões de rosa pedindo-lhes para darem o seu melhor, para mostrarem a sua essência, todo o seu perfume de rosas vermelhas, elas teimavam em querer ser brancas como as margaridas. Por mais que se esforçasse em demonstrações de todo o seu afeto pela cor vermelha e prazer em aguardar pelo seu aroma, elas mantinham-se irredutíveis na determinação de quererem nascer brancas.
— As margaridas, como estão? perguntou o Rei.
— As margaridas seguem serenas no seu percurso de crescimento, de um verde intenso; encheram-se de flores com toda a sua força — respondeu-lhe Florêncio.
— Por que razão as rosas vermelhas queriam ser brancas avô? — interrogou João.
— Sabes João, o jardineiro explicou ao Rei que as rosas estavam tão determinadas em ser perfeitas, em agradar ao Rei, pretendendo ser as suas prediletas que queriam ser brancas — a cor que achavam ser a sua preferida.
Perplexo o Rei exclamou:
— Cada um tem a sua beleza natural!
— Sabes João — continuou o avô — as margaridas estavam muito felizes por estarem naquele jardim, e deram tudo para serem quem nasceram para ser. Brancas, luminosas e alegres. Já as rosas, também elas de uma beleza singular, não aceitaram a sua natureza e queriam ser como as margaridas. Na vida real acontecem-nos situações idênticas. Não precisas de gostar de futebol nem de jogar futebol para te sentires popular. Basta seres quem tu és. É evidente que gostamos de ser aceites pelos nossos colegas e amigos. Mas, não gostar das mesmas coisas não quer dizer que não gostem de nós. Antes de mais, devemos ser livres para afirmarmos os nossos gostos e a expressão individual. Mesmo que alguém critique, ou discorde, não há problema. É a opinião dessa pessoa e a sua opinião não te define, não é quem tu és. Se a opinião for expressa com agressividade, como se fosse a única verdade possível, podes responder com gentiliza que aceitas que essa pessoa tenha opinião diferente da tua. Talvez possas contribuir para que essa pessoa possa refletir sobre algo em que nunca tinha pensado antes: que não há uma só verdade, há perspetivas e gostos diferentes e está tudo bem na mesma.
— Já percebi avô, é como aquele anúncio na televisão: «se gostássemos todos do amarelo, o que seria do verde», não é?
— Isso mesmo, cada um com a sua expressão e beleza individual. E agora? já te sentes melhor pensando no que aconteceu na escola com o Gaspar?
— Sim avô. Obrigada pela ajuda. Amanhã já vou dizer à Mafalda que é bonito gostar de dançar, como é bom gostar de jogar à bola ou brincar com legos. O que é bom é cada um fazer o que gosta e ser feliz.
—Maravilhoso, João.