Ela poderia ter cheirado a presunção, por ter suado genialidade num odor fatídico para quem pensa de menos. A verdade é que os génios gozam da proteção de não saber que o são. É quase como a premissa para a genialidade. A insegurança e a dúvida. Quem não se duvida, não chega à genialidade sudorífera que afasta os insuficientes. Não me fez tremer homem algum, corpanzil algum, frieza alguma — excetuando o peso do suor dela. Disfarçava-se, mas os interstícios emanam aquilo que se é por dentro, mesmo que o esforço da insegurança seja aguerrido.
E é por isto que hei de amá-la sempre! Por ser a prateleira côncava na estante do mundo, o poiso da beleza escrita.
Na História, a palavra organizada? Censurada! E manteve-se firme, côncava, mas firme. Ler e escrever é resistir! É apalpar a resiliência, esmigalhá-la na mão, cujo punho cerrado lhe sussurra que a palavra organizada está acima dos Deuses — que só o são por conta da sua organização.
Um dia, ainda eu não a amava como hoje, mandei-lhe esta — tu e a evangelização do livro! Os olhos dela eram planetas no universo que transbordava ser. Arregalou-mos em força — O livro é emancipação, a boia dos pobres, o degrau da periferia. A única arma que iguala por ensinar a fintar a vida, o estabelecido, a verdade ilusória montada pelos interesses de alguns. O livro é a tesoura que nos liberta do museu das marionetas. Terá havido, ela, ditadura que a arte e a cultura não tenham incomodado? Entoam as labaredas dos livros queimados que não se enquadravam nas ideologias de uns tantos. Se não são eles salvação e poder, para quê o medo?
Nesse dia, todo o amor que tinha em mim ofereci-lho. Decidi amá-la para o resto dos meus dias. O amor, damo-lo a quem queremos. Escolhi quem não tinha medo de um mundo tão cheio de génios, ao ponto de não se conseguir reconhecer nenhum.
Tinha também um trejeito nos mamilos apetitoso. Censurado! — isto por mim mesmo, que são outros quinhentos, e revela-se aqui um obsceno atentado à decência. Ainda que sejam eles a mais bela das artes. Espetei-lhe um beijo de língua no dia em que me deu a coragem. E se me dessem um superpoder, que fosse apalpar-lhe a alma, ter mãos para o tanto que aquilo era!
“Nem todos os que leem são ativistas mentais, literários… o que lhes queiras chamar”, continuei ingenuamente. Sorriu-me num fragmento de segundo e, logo depois, meteu a voz de fogo que tem a paixão, para me dizer — A força da cadência das palavras, dos pensamentos alinhados, pujantes e profundos nem sempre é percetível. O encontro do livro com aquele que lê escarra-lhe a possibilidade de ordenar as sensações, os argumentos, os pensamentos. Nasce a habilidade de legendar capazmente memórias e histórias. Há um nascer, um despertar, um refletir e depois um bailado. Não nascemos todos no mesmo dia. Ler é meter a engrenagem do pensamento a trabalhar, escrever é meter a máquina a todo o vapor. Há um jogo de imaginação e palavras, que cria uma linha paralela ao tempo, que nos embebeda de possibilidades. É um confronto do pensamento com a ação. E dói, quase sempre. Há uma resiliência avassaladora nas palavras organizadas. Somos, por dentro, infinitos pontos de vista. E há uma luta e um amor que se faz com todos eles!
O ativismo literário! Oh, que maravilha!
Casamos. Ela comigo e eu com uma infinidade de possibilidades. Cheirar-me-á, acima de tudo e eternamente, a Amor.