As estrelas de Jeremias - Alexandra Duarte

As estrelas de Jeremias

Jeremias, pequenote traquinas, estava em pulgas com o seu presente de aniversário: um conjunto de ciências. Tratava-se de uma caixa que parecia ter coisas muito importantes: uma lupa, tubos de ensaio, pipetas, uma pequena balança, um livro de instruções e até uma batinha branca. Enfim, tudo o que era preciso para Jeremias se sentir um verdadeiro cientista. Só faltava agora começar a trabalhar, ou melhor, começar a “cientificar, que é o que os cientistas fazem”, pensava ele. 

Algo intrigava o pequeno. Desde que ouvira na televisão que estaria para breve uma chuva de estrelas, não pensava noutra coisa. Não sabia o que isso era, mas desde então contemplava o céu todas as noites, na companhia do seu gato Manjerico, amigo inseparável, com quem mantinha conversas muito interessantes.

— Manjerico, já viste, são tantas! Quantas achas que são? — perguntava o rapaz enquanto apontava para as estrelas, na tentativa de as contar.

— Miau — respondia o gato, fitando o céu.

— Pois, eu também não sei contar até um número tão grande. E porque é que brilham só à noite? 

— Miau, miau.

— Ah, tens razão, se calhar dormem de dia — concordava, acenando com a cabeça.

Às vezes perguntava, também, à mãe:

— Mãe, de que são feitas as estrelas? 

Ela nem sempre sabia o que responder.

— São feitas de pó — dizia.

— Mas porque é que são brilhantes? — Continuava o jovem.

— Se calhar é pó dourado — respondia-lhe a mãe.

Jeremias continuava com muitas perguntas para as quais não tinha resposta. Após matutar no assunto, percebeu que tinha de estudar as estrelas com os seus instrumentos científicos. Afinal, não bastava olhar para elas. Mas debatia-se, agora, com um problema: como é que ia apanhar uma estrela? Elas estavam tão longe, lá no alto.

— Alguma ideia Manjerico? 

— Miau, miau.

— Não, o papá não tem uma escada assim tão comprida. Tem de ser de outra maneira. — E abanava a cabeça.

Por muito que pensasse, o pequeno não fazia ideia de como ir buscar uma estrela ao céu. Mas lembrou-se, um dia, do seu anjinho da guarda. Os pais diziam que todos os meninos têm um anjo da guarda, para os proteger. E se os meninos lhe pedirem um desejo, o anjinho prontamente o concede. Durante muito tempo, antes de dormir, Jeremias pediu que chovessem estrelas. Nem seriam precisas muitas, só algumas.

Uma noite, por fim, enquanto brincava no quarto, algo lhe chamou a atenção do lado de fora da janela. Pedrinhas brilhantes pareciam cair do céu. O anjinho tinha ouvido o seu pedido.

— Corre Manjerico, corre, vamos apanhar estrelas!

Jeremias pegou numa caixa de cartão e correu para o jardim. Com os bracitos esticados levantou-a no ar e tentou apanhar quantas estrelas conseguiu. Assim que a encheu, tapou-a e voltou para o quarto. Estava tão contente! Tinha uma caixa cheia de estrelas chovidas! Colocou-a em cima da secretária. Podia agora estudá-las de verdade. Foi buscar os instrumentos e vestiu a batinha branca. Levava o trabalho científico muito a sério.

— Anda Manjerico, vais ser o meu assistente.

Abriu a caixa. Minúsculas estrelas piscavam, cintilantes, numa harmonia quase musical. Jeremias estava radiante, ainda mal acreditava. Ficou parado uns segundos, apenas a olhar. Depois, bem, era hora de cientificar; faria alguns testes para perceber, afinal, de que eram feitas as estrelas.    

Primeiro teste: o tacto. Com cuidado, pegou numa estrela e manteve-a na palma da mão. Era suave e fazia cócegas. Começou a rir.

— Vai anotando, Manjerico. — Pôs o caderno e o lápis à frente do gato que, também ele olhava muito curioso para o brilho que o seu pequeno dono tinha na mão. Segundo teste: o peso. Colocou a estrela na balança, que mal se mexeu: um grama. “Ora são tão leves”, pensou, “se calhar é por isso que quase nunca caem e ficam a flutuar no céu.” Passou ao teste seguinte: o paladar. Pegou numa outra estrela e mordiscou-a levemente, não a queria magoar. Era docinha. Sabia a…caramelo! Com uma pontinha de canela.

— Não imaginava, Manjerico, caramelo!  —  Satisfeito, lambia os lábios.

Colocou a estrela de volta na caixa. Pensou que outros testes podia fazer. A cor, pois claro. Era o quarto teste. Que eram brilhantes era óbvio; pegou na lupa e observou com atenção. Os brilhos eram sobretudo dourados e prateados, mas havia, também, uns pontinhos de luz azuis e verdes. Eram, realmente, muito bonitas. 

— Escreve Manjerico. Passamos, agora, ao teste número cinco.

O quinto teste era o do olfacto: a que cheiram as estrelas? Jeremias apurou os sentidos e aproximou uma estrelinha do nariz. Cheirou, fechou os olhos e inspirou novamente. Sentiu apenas um discreto aroma, mas conseguiu perceber o que era: cheirava a noite e a brisa fresca. Voltou a colocá-la junto das outras. Todas elas reluziam e tremelicavam. Tapou a caixa. Para já, não haveria mais testes. Era hora de dormir. Arrumou os instrumentos científicos e colocou a caixa cheia de estrelas na mesinha de cabeceira. Manjerico enroscou-se junto à almofada e Jeremias adormeceu feliz por ter no quarto um pedacinho do céu.

Na manhã seguinte, o pequeno traquinas acordou com o gatito a lamber-lhe a cara.

— Bom dia, Manjerico, dormiste bem?

— Miau.

— Bom dia, estrelas chovidas, dormiram bem?

Destapou a caixa. Por momentos, pareceu-lhe que brilhavam menos, que piscavam mais devagar.  

— Estão a dormir — observou — ou então estão com fome, afinal ainda não tomaram o pequeno-almoço. Se calhar são como nós, Manjerico, não comeram e estão fraquinhas, não têm força nem para brilhar nem para brincar.

Saiu do quarto, seguido pelo bichano, e foi para a cozinha. A mãe já lhe tinha preparado o pequeno-almoço. Enquanto comia, lembrou-se de que podia levar algumas coisas para alimentar as estrelas, afinal elas não podiam passar o dia inteiro sem comer. Às escondidas levou para o quarto alguns petiscos. Quando chegou, abriu a caixa. As estrelas brilhavam ainda menos. Deitou-lhes, então, umas gotinhas de leite e esperou. Nada aconteceu.   

— Acho que não devem gostar muito de leite Manjerico, não são um gato como tu. Talvez com cereais.

Deitou pedacinhos de cereais por cima das estrelas e, novamente, aguardou. Mas, mais uma vez, nada aconteceu. Estava a ficar preocupado. Seria o caso que as estrelas chovidas estavam doentes? Lembrou-se de espalhar migalhas de pão por toda a caixa. Tinha visto o avô fazer o mesmo no jardim, quando atirava pedacinhos de pão aos pombos. Esperou, esperou, mas não houve qualquer alteração. Não sabia o que fazer. As estrelinhas já quase não brilhavam.

Começou a andar de um lado para o outro, a pensar e a tentar encontrar uma solução. Manjerico também não sabia. O dia foi passando entre brincadeiras e cuidados com as estrelitas: ora cantava para elas, ora lhes deitava mais comida. Mas elas continuavam a desfalecer. O pequeno sentia-se triste, as suas estrelas já não brilhavam e não compreendia porquê. Anoiteceu e as que viviam no céu foram aparecendo, majestosas, brilhantes e cheias de vida. Em pouco tempo a noite ficou estrelada e, à janela, Jeremias interrogava-se:

— Mas se lá em cima brilham, porque é que cá em baixo não?

E continuava a olhar para o céu e para a caixa. Lembrou-se, de repente, que talvez as estrelas só conseguissem brilhar no céu. Seria essa a solução? 

— Manjerico, temos de enviar as estrelinhas chovidas de volta para casa — disse ele. 

Parecia ter encontrado a resposta à questão. O problema, agora, era outro: como é que os pequenos astros regressavam ao seu lar? Se desceram, seria que também conseguiam subir? Resolveu pegar na caixa e ir para o jardim. O gato correu atrás dele. Sentou-se na relva e colocou a caixa no chão. Tirou-lhe a tampa, as pequenas estrelas já não cintilavam. 

— Pronto, agora podem voltar para o céu — disse. — Podem voar, se quiserem. Vá, voltem lá para cima. As vossas amigas estão à espera.

Jeremias tentava incentivá-las. E esperava. Manjerico fitava o dono, enroscado nas pernas do rapaz que, tristonho, continuava a conversar com elas:

— Eu só queria conhecer-vos, não queria que ficassem doentes.

Até os astros no céu, resplandecentes, pareciam querer cativar as estrelas do Jeremias, brilhando e pestanejando sem parar. Inesperadamente, a mais pequenina começou a piscar. Depois outra também. E ainda mais uma. Aos poucos, as estrelas chovidas iluminaram-se. Um pouco de brilho dourado aqui, prateado acolá, com pontinhos verdes e azuis a saltitar felizes. Parecia que pequenos corações tinham começado a bater trazendo as estrelinhas, de novo, à vida. 

— Estão a acordar! Olha Manjerico, olha!

As estrelas, então, começaram a saltar, mais e mais alto e, sem pressas, foram saindo da caixa. Flutuavam, leves como penas, e dançavam umas com as outras. Assim se despediram do menino. Foram subindo até ao céu, devagar, como se fossem serpentinas. Elevaram-se, até se perderem no meio das suas amigas. Eram, de novo, minúsculos pontinhos no céu, perfeitos e reluzentes. Tinham chegado a casa. 

Jeremias sentia-se feliz, as estrelinhas estavam, de novo, no seu lugar e, desde esse dia, sempre que as via piscar sentia que sorriam para ele. 

A pedido da Autora, este texto não segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

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AUTOR(A)
Alexandra Maria Duarte

Nascida em Castelo Branco, rumou a Lisboa para estudar Línguas e Literaturas Modernas. Após a licenciatura fez uma pós-graduação em Tradução. Entre 2000 e 2001 participou na redacção e edição do livro «Ribatejo – Receituário Regional Tradicional», tendo também colaborado, ocasionalmente, com a revista «Cardápio – Saber Viver». A paixão pela escrita sempre se manteve, mas só em 2020 começa a frequentar cursos de escrita criativa. Vem a publicar o seu primeiro conto na colectânea «Não vão os lobos voltar», obra que chega ao público em 2021 e, no ano seguinte, apresenta o primeiro conto infantil na colectânea “Contos que contas tu”.

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