Cai neve em Bakhmut
os pés queimam e ela caminha
sem saber para onde vai
indiferente às bolas de fogo
que silvam sobre a sua cabeça.
Estrondeiam escombros
de onde surgem espavoridos
esqueletos de velhos
como ratos assombrados
cai neve em Bakhmut
os pés queimam e ela caminha.
Um braço hirto de cadáver sem nome
sobressai no manto branco
como se fora um sinal da estrada
que antes era ali, mas já não é.
Perdeu o rumo, tal como ela
eu volto, mãe. Não te preocupes,
volto logo!
cai neve em Bakhmut
os pés queimam, ela caminha
e sabe. Sabe o que não quer saber:
o filho, corpo incógnito, jazendo
na escuridão da vala comum
onde se emudeceram todos os gritos
de dor, desespero, raiva ou glória
cai neve em Bakhmut
os pés queimam e ela caminha.
Leva os olhos turvos de espanto
e, nos braços, o neto, apertado ao peito.
Procura aquecer-lhe a esperança.
Olha-o, sorri e só então vê
que metade do seu rosto pinga,
massa informe, sangrenta
cai neve em Bakhmut
os pés queimam, ela não sente,
não caminha. Soçobra,
mácula incrédula a perturbar
a gélida lonjura do chão
quem lhe roubou a paz?
cai neve em Bakhmut
só o uivo do vento se faz ouvir.