Resistir aos nossos maus pendores é obra. Sair da sombra e respirar equilíbrio é labor. Ler nas entrelinhas da vida e redescobrir-se, é viver.
Até então, ir para o trabalho sem ser uma montra ambulante era impensável. A mulher levantava-se duas horas mais cedo para se embonecar. E porque não?
O problema começou quando viu que faltava um colar de pérolas, o seu preferido e invejado pelas colegas. Que banalidade. — dizes tu. Mas não é o que sentia. Quase se vestiu de luto. Como doeu. Demais. Aguentou os comentários menos airosos das companheiras, só porque o pescoço ficara nu. Nu de todo. Enfrentou as feras. Mas a fera que nela habitava, essa, não se aguentava de pé. “Perder o bendito colar logo agora que a Lia anda a exibir a pulseira de esmeralda, falsa, é claro, não estava nos meus planos!” Desgosto. Vazio. Enorme vazio. “É injusto!”
O que a madura mulher (madura?) não sabia é que a vida tem o seu próprio ritmo. E que, quem se engana a si mesmo terá que despertar um dia.
As notícias chegaram céleres. É obrigatório andar de boca tapada. As máscaras passaram a fazer parte da indumentária dos portugueses, tal como na China, Espanha e pelo mundo que adoecia gravemente. Ninguém sabia por onde andava o tal vírus. Lavar as mãos, máscara, distância (não te aproximes, mesmo que queiras ver o colar da outra). “Oh. Esquece!”
A situação piorou! Ordens para confinar. “Dentro de casa? Como? Vestir-se para quem? Para quê? E a máscara que não combina com a roupa. Bolas. De nada adianta pintar os lábios! Dia enfadonho, ai, ai!”
Uma panóplia de interesses escusos a alimentar o carácter esquelético que a caracterizava. Objetivos? Ideais? Propósito? Desconhecia. A mulher sentia-se a esmorecer. Até quando? Nesse remoer de ideias, resolveu decifrar as possibilidades que lhe restavam, enquanto se via fechada em casa.
Um livro que há muito jazia na estante encheu-a de curiosidade. Impulsionada, abriu-o, sentou-se e começou a ler. Foi assim que virou a página da sua vida, que de tão desarrumada, amontoava bolor.
Leu. Leu sem parar. Interessou-se pelas temáticas que falavam de outras riquezas… as que vinham de dentro. Encantou-se. Leu os que tinha em casa e comprou outros tantos livros. Em cada nova página, uma aprendizagem, uma libertação. Há que resistir. Continuou. Sentia o calor das palavras que a empurravam para dentro de si. Encontrou-se. Ter ou não ter é uma questão a resolver, mas Ser? É para hoje, aqui, agora. Grata, olhou-se ao espelho e viu para além de si mesma. Sem colares, sem pintura percebeu que mal se conhecia. “Olá, sou eu. Mudei e estou a gostar.” Respirou fundo, como há muito não fazia.
E tu? Quanto tempo mais irás resistir? Lê. Há livros que salvam. Encontra o teu!