Em plena adolescência, vi-me exposta a mais filmes de animação infantil do que se esperaria. A reboque da infância do meu irmão mais novo, acompanhei toda a produção Disney da década de 90 e início de 2000. Talvez pela idade em que o vi, ou pela quantidade de repetições a que fui exposta, é desta época o meu filme favorito de todos os tempos: “Hércules”.
Em que se relacionam o filme “Hércules” e o mote “no lado certo”? A resposta parece óbvia: luta do bem contra o mal, o filho deixado com os humanos, que regressa ao Olimpo, a que pertence. No entanto, a minha recordação da película, que motiva a escrita desta crónica, é uma personagem que, até onde sei, é bem diferente na mitologia original: Mégara.
Para quem não viu, Mégara é retratada como uma agente de Hades, maquiavélico rei dos infernos, a quem ofereceu a alma em troca de piedade para um antigo namorado. O dito cujo viu-se livre do deus do submundo e largou Mégara por outra saia menos presa. Entende-se que Mégara fez uma escolha errada, vendo-se associada a esse lado, errado, o que assume sem grande aborrecimento.
Mas o que é o lado errado? Ou o certo? Certo, errado; branco, preto; e cinzentos, não? O que raio é um lado? Há uma linha? Imaginando que existe a dita fronteira, Mégara atravessa-a; fá-lo várias vezes enquanto oscila entre o bem e o mal, entre o egocêntrico e altruísta, mas nunca deixa de ser Mégara, sempre Mégara, e tudo faz parte dela. Mas como pode a mesma personagem pertencer aos dois lados? Na falta de resposta, talvez seja a questão que está errada.
Como podem existir lados? Frações? Não será mais um contínuo? Não será a estrada, em vez das bermas? O caminho, em vez da partida e do destino?
Na sua força, Mégara é uma personagem com quem me identifico. Acredito que tenha ajudado a moldar a minha personalidade. É deliciosamente cinzenta, é tudo, sem que algo a limite, a defina. Acredito que não há lados, há Mégaras, Patrícias. Em vez de frações, o que existe, o que é real são as pessoas. E há palavras e sentimentos. Cinzentos.