…e nada mais há a dizer, agora que resta apenas a memória de todas as palavras ditas e se esvazia a vontade de construir novos sentidos, não há motivo algum para falar por falar. Repara que nada de novo surgirá. Recuso continuar a sentir-me vigiado, como cada vez que ouço “onde estás?”; não posso continuar a sentir-me incapaz de reagir a cada “preciso disto” ou “necessito daquilo”. Talvez não percebas, mas agora é impossível acreditar que ainda posso ouvir “como estás?” ou, melhor ainda, “tenho para ti as coisas mais belas”! É que são já muitos anos de tortura, de reverência permanente, e tantos desmandos que não serviram senão para infernizar a minha vida…
Não é que às vezes não te sinta a falta, quando estou sem ti – ainda que por breves momentos – porque todos necessitamos de uma presença, mesmo distante. É claro que sinto, porque muitas vezes estou só e tenho imensa vontade de falar. E é nessas alturas que te procuro. Mas não vai continuar assim; não és um refúgio para momentos maus, não preciso de ti para ouvir uma gargalhada ou deleitar-me com um mexerico a respeito de um qualquer alguém que conheço vagamente. Preciso de muito mais do que me trazes! Quero a presença presente que não me permites, anseio o calor do corpo que me não dás, morro sem a interrogação no olhar e sem todas as expressões que dizem. Mas tudo isso me negas… Se faço uma pergunta, não respondes. E, quando te toco, não te dissolves em êxtase por entre os meus dedos – limitas-te a ser como um corpo inerte que se manipula até à náusea! Ainda se ao menos pudesse burilar-te como à pedra fria e dar-te um bocadinho da alma, que até as mais esdrúxulas estátuas imperiais permitem sentir…
Juro que tentei, de tantas formas! Umas vezes, punha o mais libidinoso dos perfumes na gola da camisa, e aconchegava-te na orelha. É verdade que havia um calorzinho sempre que te apertava, mas nada mais que isso. Também te ofereci roupas novas, tentando realçar-te as formas e dar-te um colorido mais apetecível! E as cócegas que te fiz com o polegar… Tantas, tantas, que quase ganhei calo. Ah! As coisas que fazemos quando estamos apaixonadamente dependentes!
Mas agora, acabou! É inevitável! Não te quero ver mais à frente! E, vê lá tu a ironia. Procurei-te como um náufrago procura terra e encontrei-te ali, detrás de um vidro colorido, como uma sedução diabólica, salvífica. E quis logo ligar-me a ti! (Não, não é um eufemismo, um disfarce – Acredita, é mesmo isso que quero dizer!) Por isso não hesitei em tentar levar-te até ao sossego do meu quarto, custasse o que custasse. O que, por acaso, até nem foi difícil; bastou abrir a carteira repleta de cartões de crédito e lá estavas tu, entre as minhas mãos, desejosas de te experimentar, de te tocar, enfim, tudo o que sabes…
A minha mãe sempre me disse que todas as paixões são ilusórias, passageiras. É verdade, sei-o bem, e quanto mais as vivo, mais dou razão à velhota. Entre nós, tu e eu, a paixão foi como uma profissão de desgaste rápido – vai-se aguentando, cada vez com pena maior, e como às vezes parece não haver alternativa, toma-se-lhe o hábito. Só que, agora, acabou. Repito: não me trouxeste nada de novo, roubaste-me tempo precioso com mesquinhices e exigências, nunca me deste algo que pudesse desfrutar e, pior que tudo, custas-me uma pipa de massa… e ainda tenho de levar-te para todo o lado. Estou farto, farto, farto! E é porque estou farto que me desligo de ti, deste modo tão simples: off! Adeus, meu estupidamente adorado telemóvel!