Algures, num sonho, um pontapé separou mãe e filho. Os árabes bazaram com as suas mouras encantadas para nascer Portugal, o mais antigo dos novos países europeus.
Uma escola que nunca houve. Numa aula chata de um professor chato, alguém sonhou um mundo mais pequeno, com canela, alcaçuz e pimenta. Partiu-se então de Belém para as Índias, só para se chegar a outras — sem rei, nem lei ou pecado —, onde as índias andavam nuas e os pássaros falavam.
Café do Brasil, negros de Angola, terramoto em Portugal. Pombal não está na sua rotunda, mas, a sonhar, enterrou os mortos, cuidou dos vivos e fez Lisboa moderna.
Foi o sonho que venceu o sonho de Napoleão, que assinou o papel em Versalhes e que tratou de rasgá-lo após o assassínio do arquiduque. Livrou o soldado da morte, do gás mostarda e do arame farpado, deixou-o a dormir nos braços da sua amada.
A bolsa quedou-se num pesadelo, do qual nunca acordaram os que pularam dos arranha-céus. O sonho do Reich elevou a mão ao ditador. O americano despejou a bomba em Hiroshima e plantou uma rosa em Nagasaki.
Os hippies sonhavam à ácido, os vietcongs, à napalm. O sonho que levou o homem à Lua também me leva ao fim da rua.
Saio de manhã a conduzir o sonho, volto à noite conduzido por ele. Enquanto há sonho, há esperança. Sem ele, há nada, porque o sonho pode até não mover o mundo, mas move o que move o mundo.
Não se controla o tempo, não se controla o destino. Como Cazuza costumava dizer, já que não te posso levar, ó vida, deixo que me leves.
Sendo a minha única opção a de ser levado, que seja pelo sonho que comanda a lida. Obrigo-me, então, à lucidez de sonhar. E de sonhar apenas o que me traz esperança.
Documento criado em quarta-feira, 10 de novembro de 2021.