Não penses, porém, que um dia
a encontrarás de novo, e que os seus cabelos esconderão
dos teus olhos a luz do sol. E talvez penses que é essa noite
que tu desejas, agora que nada se interpõe entre ti
e o próprio dia. Lembra-te que pela tua vida passou
essa ilusão de uma primavera logo desfeita
pelo teu inverno. Sentes, por vezes, que tudo
poderá regressar, e lembras ainda a manhã em que ouviste
os seus lábios chamarem pelo teu nome, e quando
te voltaste imaginaste que as portas do céu se abriam
à tua frente, apenas por teres visto esse perfil
desenhado num desejo de que a efémera eternidade
do amor viesse ao teu encontro. O tempo, porém, corre
mais depressa do que pensamos, e não tens, agora,
um destino para as tuas palavras mais certas, essas
em que procuraste moldar, sílaba a sílaba, cada pedaço
do seu corpo, para que a sua imagem permanecesse
nas tuas mãos, tal como o perfume da sua pele. Sim,
não penses mais; e nesse instante fora da razão, ela surgirá
de um recanto do jardim, tratando das suas flores
como se, em cada uma delas, sobrevivesse
cada instante que julgavas perene, e acabou,
afinal, como acabam e morrem as pétalas
da flor que não cuidaste.