Era essencial fazer a viagem para o Mundo Contrário, para desmascarar a súcia de mantas que se infiltrara no governo e no parlamento, em redor do ministro das finanças, também ele um asqueroso demónio das águas paradas. O feitiço que lhes dava ares de gente era poderoso. Saí da redação do jornal, ao Saldanha, em Lisboa, e subi à Graça, onde um reputado tasseomante apontaria o local para encontrar um dragão felpudo para a viagem.
Num andar esconso de prédio antigo, onde as moscas musicavam o ar, o tasseomante sete vezes leu as folhas do chá e, resoluto, afirmou que a cidade mais próxima do Mundo Contrário com portal aberto era Ajeb, o mesmo que dizer, a cidade contrária de Beja. Novamente cruzei os campos sequiosos do Alentejo, no trânsito do verão para o outono. Perto da igreja dos Prazeres, na dita cidade, há uma casa que tem uma escadaria circular oculta, que corre até uns bons duzentos metros para dentro do solo. No fundo dela, um salão de cristal onde repousa um dragão felpudo. Vesti o escafandro de prata, aproximei-me com humildade e invoquei o santo nome da Velha das Fitas Vermelhas, protetora das boas criaturas do mundo oculto. Convencido, o dragão ofereceu-me o dorso. Agarrei-me firmemente aos seus pelos e saímos disparados pelo magma de alcatrão negro que nos separa do mundo contrário, e as cidades daquele mundo umas das outras.
Na cidade contrária de Beja, Ajeb, devido à neutralidade do Mundo Contrário, encontrei seres de toda a espécie e uns poucos humanos. Vesti um feitiço de parecer um manta batráquio, com a cornadura espiralada e buracos na vez dos olhos. Preparei um gravador oculto e orientei-me para o comício de mantas, prestes a decorrer nas ruínas de um castelo com uma alta torre parcialmente desmoronada. Centenas de criaturas alegres pelo chão enlameado do recinto e pelas bancas de comida nojenta que o circundavam. Ululavam, fremiam e amontoavam-se em volta do palco feito de troncos musguentos.
Não me acreditava, o casal tenebroso, O Homem de Ferro e Gancha, subiu ao palco e discursou para a multidão. Incentivavam à tomada de recursos, aludiam à fraqueza das democracias e à cobiça humana. Com a ilusão certa, dominariam o governo e o Parlamento, o sistema central do país. Tomariam decisões ambientais iníquas. Fariam um paraíso para os mantas e todos os seres malignos do obscuro. O plano era evidente.
Retirei-me, tinha conseguido material para trabalhar. Não o poderia publicar abertamente no mundo dos homens, cego para a materialidade deste universo de e magia, mas podia encetar a pesquisa por dinheiro desviado pelos mantas dos altos cargos no Estado. Se a conspiração era global, seria fácil cobrir os rastos enlameados do dinheiro desviado dos cofres públicos. A autoconfiança do Homem de Ferro e de Gancha abriam-me a porta para mais notícias.