A propósito de um post de um amigo, que decidiu fechar provisoriamente a sua página do Facebook para não sentir a sua comoção arrefecer devido à banalização das imagens da guerra na Palestina, ocorre-me que o filósofo alemão Theodoro Adorno começou por dizer, em 1949, que “escrever poesia depois de Auschwitz é bárbaro”. Mais tarde, porém, contrariando o seu dito inicial, escreveu que “a perpetuação do sofrimento tem tanto direito a expressar-se como o torturado a gritar”.
Foi isso que expressou o escritor italiano, Primo Levi, sobrevivente do Holocausto, no seu doloroso livro Se isto é um homem. Também Paul Celan, sobrevivente de um campo de extermínio nazi, habitando no “limiar do emudecimento” num mundo sem redenção, num poema dedicado a Hölderlin, também ele um poeta do limiar, escavou a ferida aberta num tempo de silêncio e morte.
E é isso que expressam as pungentes fotografias expostas no Museu de Auschwitz-Birkenau que, há alguns anos, visitei de lágrimas nos olhos. E as imagens das vítimas horrivelmente queimadas pelos bombardeamentos americanos no Vietname, que mudaram o rumo da guerra e conduziram à Paz. Ou ainda as imagens do massacre no cemitério de Santa Cruz, em Dili, captadas em 1991 pelo jornalista britânico Max Stahl, que levaram ao imparável movimento de solidariedade com o povo timorense.
Diante do horror das imagens que diariamente mostram um amontoado de ruínas na faixa de Gaza, sob as quais jazem as crianças da Palestina, coloco-me do lado certo, do lado dos inocentes, e partilho os versos de Celan: “Se viesse, / se viesse um homem / se viesse um homem ao mundo, hoje, com / a barba de luz dos / patriarcas: só poderia, / se falasse deste tempo, só / poderia balbuciar, balbuciar / sempre sempre / só só” (“Pallaksch, Pallaksch”, Sete rosas mais tarde).
Em nome das vítimas, de todos os inocentes, sejam os milhares de crianças palestinianas massacradas em Gaza sob a metralha israelita, sejam os reféns israelitas barbaramente assassinados pelo Hamas, sejam as populações das cidades ucranianas destruídas pela metralha russa, Karkhiv, Kherson, Bakhmut, Odessa, sejam os soldados russos enviados para a morte, temos o dever de olhar a dor e o medo estampado nos seus olhos, mesmo que as imagens pungentes de sofrimento nos venham desassossegar.
Olhar, pois, os ecrãs, montras da barbárie que varre o mundo, e como o poeta Cesariny, dizer: “Entre nós e as palavras, os emparedados / e entre nós e as palavras, o nosso dever falar”. Esse o lado certo.