Amar não é gostar de algo, é a dedicação incondicional ao objeto do amor, confiando que ele cresça e frutifique na plenitude. Amar é trabalho permanente e cansativo, que exige focagem e persistência.
Na escrita, o amor é encarar a obra como objeto digno de empenho e gasto de energia, tendo o cuidado para que ela se transcenda e viva para lá da gestação e do parto. Isto tem implicações nos âmbitos da técnica e também do espírito, entidade intangível e que E pur si muove! O escritor ficcional dará o melhor para o apuramento técnico da obra, traçando súperos enredos, personagens, paisagens, ações, e aprimoradas formas escritas para narrar o projeto ideal da sua mente. Porém, há outra dimensão do amor não refletida no número de gestos que realizamos, nem materializada em expressões mensuráveis. A mais-valia da obra literária é a verdade que ela transporte, isto é, a honestidade que o autor põe de si próprio na realização do empreendimento, nessa busca complexa de estabelecer um diálogo entre o eu-escrevente e o outro-leitor.
Os grandes começam pelo amor a si próprios, não como expressão do egoísmo ou da vaidade, mas como manifestação do “conhece-te a ti mesmo”, máxima de Tales sabiamente surripiada por Sócrates. Ao amar-se o escritor conhece-se e, entendendo-se, busca dentro de si o melhor que tem para dar à escrita, todo o potencial e universo infinito que cada ser humano transporta. Parece fácil, mas…
Outra componente amorosa é a técnica, só alcançada com vontade e esforço. A “escrita ao natural” que muitos candidatos a ficcionista apresentam, revela sobretudo ingenuidade e imaturidade e, às vezes (o que é mais grave), grande falta de leitura. Ler muito e, depois, mais ainda, continua a ser a melhor terapêutica para combater a pecha da “escrita ao natural”. A imaginária (híper valorizada desde o Romantismo) tem maior suporte e projeção com sólido vocabulário, firme fraseologia e seguro ritmo de escrita.
Ao mesmo tempo que o amor se arremessa à obra escrita, ele se dirige, indiretamente, ao leitor, amante derradeiro do apaixonado escrevinhador. É no respeito pelo leitor que o literato dará o melhor de si, não necessariamente aquilo que o cliente exige, mas sim para lhe dar o que este necessita. Uma subtileza filosófica que faz a completa diferença entre o comércio de bananas e a arte. Se o leitor receber apenas aquilo que anseia, não cresce; ao passo que, se receber o que necessita, se transcende enquanto pessoa. Dos vinte e um gramas que a alma pesa, cada grande obra literária deve contribuir com, pelo menos, um decigrama, crédito a apresentar às portas do Paraíso.
Por fim o escritor amante amará a própria arte, cada obra como expressão de algo que não é somente ele, nem os códigos culturais vigentes, ou o leitor; será um algo outro, uma criatura viva que existe por si própria, com grandeza e dignidade intrínsecas.