Lá, onde o primeiro fragmento de memória
me coloca no mundo,
sou apenas mãos.
Dedos pequeninos que seguram berlindes coloridos.
Vejo-os, como se os tivesse aqui agora.
São as mãos que os vêm,
que lhes dão cor e existência.
E os vidrinhos polidos,
continuam reais,
num pedacinho de memória
que insiste em dizer que eu,
apesar de estar aqui,
continuo lá, maravilhada, com as cores
que se fundem num diáfano assombro.
Não me prende o passado,
nada lhe devo!
Paguei-lhe com sonhos,
com promessas que sucumbiram
à cobardia da incerteza.
Pergunto-me: porque aprisionei os meus sonhos?
Porque não confiei nas minhas mãos?
Cansei-as, numa labuta cega.
Não as soube libertar.
Seguro a comoção das lágrimas
que teimam embaçar-me a vista,
e nessa névoa volto a ver as minhas mãos,
curiosas.
A olhar o mundo dentro dos berlindes.
Na memória, o tempo não tem medida,
estou mesmo lá,
fecho os olhos,
e com as minhas mãos livres,
vou abrir a gaveta…
Voem sonhos, voem, que eu escolhi ficar por aqui!