Autor(a):

Ana Silva
Ana Silva

Gaveta de sonhos

Lá, onde o primeiro fragmento de memória

me coloca no mundo,

sou apenas mãos.

Dedos pequeninos que seguram berlindes coloridos.

Vejo-os, como se os tivesse aqui agora.

São as mãos que os vêm,

que lhes dão cor e existência.

E os vidrinhos polidos,

continuam reais,

num pedacinho de memória

que insiste em dizer que eu,

apesar de estar aqui,

continuo lá, maravilhada, com as cores

que se fundem num diáfano assombro.

Não me prende o passado,

nada lhe devo!

Paguei-lhe com sonhos,

com promessas que sucumbiram

à cobardia da incerteza.

Pergunto-me: porque aprisionei os meus sonhos?

Porque não confiei nas minhas mãos?

Cansei-as, numa labuta cega.

Não as soube libertar.

Seguro a comoção das lágrimas

que teimam embaçar-me a vista,

e nessa névoa volto a ver as minhas mãos,

curiosas.

A olhar o mundo dentro dos berlindes.

Na memória, o tempo não tem medida,

estou mesmo lá,

fecho os olhos,

e com as minhas mãos livres,

vou abrir a gaveta…

Voem sonhos, voem, que eu escolhi ficar por aqui!

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AUTOR(A)
Ana Silva
Ana Silva

Ana Silva, nasceu em 1967,  numa pequena aldeia da serra da Sicó,  onde viveu até aos 20 anos. Enfermeira por (com)paixão.  Escrever é um hábito de longa data, uma forma libertar os sentimentos.

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