A atriz Judie Foster, sexagenária, aludiu recentemente à falta de empenho da geração Z (nascida entre 1990 e 2010) no trabalho. A crítica pode ser atenuada se pensarmos que desde sempre os mais velhos criticaram os comportamentos juvenis, mas não me custa acreditar que as gerações nascidas no conforto moderno e distraídas com a panóplia de ferramentas lúdicas à disposição sejam mais propensas ao descomprometimento laboral.
Esta nota introdutória vem a propósito da necessidade da labuta para erguer qualquer obra literária. É esse o principal motivo da proliferação de oficinas e clubes de escrita criativa, primeiro, no arco anglo-saxónico e, depois, por todo o Ocidente. Neste caso, como em Jodie Foster, está entronada a convicção de que o livro só nasce com aplicação da técnica, de forma cuidada e comprometida, através da dedicação pessoal, a que podemos chamar trabalho, independentemente de ser ou não remunerado. Afinal, o maior prémio do escritor é a escrita terminada, o ouro alquímico pela transmutação das palavras escritas em matéria literária. Não paga contas, mas eleva o moral.
No século XIX, aquando da ascensão do romantismo, criou-se o mito do génio literário, alguém tocado por forças transcendentes, descendentes ou ascendentes, consoante crenças mais apolíneas ou de sentido telúrico. Uma visão que, como já antes referi, contaminou toda uma cultura com a ideia de que a alta criação se fundava em forças sobrenaturais, inexplicáveis, que faziam do artista um mero médium. Duvido que seja assim mesmo. Não posso negar a força da genialidade de muitos autores quanto às temáticas originais ou às formas usadas para as abordar, porém, não desconheço o papel do suor. Dez por cento de imaginação e noventa por cento de trabalho, dizem.
A virtude técnica, só por si, pode não bastar para quebrar a barreira que dá acesso ao panteão dos ditos génios, mas certamente coloca qualquer escrevente no bom caminho. O contrário nunca aconteceu, jamais o génio produziu grande obra sem qualquer capacidade formal. Onde está então a verdade? No desenvolvimento de ambas as competências: no exercício aturado da abertura da mente, permitindo que o canteiro da imaginação rebente em cor e visão de mundo e futuro, enfim, a genialidade; e que essa genialidade encontre pernas musculadas e pulmões amplos para fazer a sua caminhada pelos caminhos da literatura. Como sabemos, boas pernas e bom pulmão só se consegue com suor e tempo.
A composição escrita da criança de oito anos, mesmo que genial, não é a mesma do adolescente de dezasseis, que não é igual à do adulto de trinta e seis ou à do maduro de cinquenta e seis. Se o génio que habita a pessoa é transcendente e acabado, porquê a mudança estilística ao longo do tempo? Porque o génio não existe, o que mora em cada um de nós é uma pessoa que cresce, aprende e muda. E instruir-se é a chave da abóbada da nossa catedral de letras.