Inegavelmente

Escolhi fazer assim, mas os despojos ficaram.

Preferia não ter dito, mas escolhi dizer.

Escolhi que não acabasse,

quando até desejava recomeçar.

Em que futuros nos cabem os sorrisos?

Que parte de matéria nos retorna às mãos?

Mostramos o nosso melhor,

mas escondemos partículas

e, se somos feitos de átomos

que juntos não fazem um todo,

em que vazio encaixamos nós?

Porque às vezes

escolho ser pão ázimo,

outras prefiro ficar assente na terra,

ser raiz, quase vento,

num raio de transparência.

Prefiro o chão e a imperfeição,

a asa quebrada, o corpo despido,

o não saber o que ser

em vez de ter a altura nos bicos dos pés,

na fome de aparecer primeiro.

Prefiro ser sede, mesmo sem saber como a matar.

E se um dia me julgarem à beira da água,

que depois me reconheçam na madrugada,

com a certeza de que o mundo, às vezes,

muitas vezes,

se esquece de parar

apenas para

                   r   e   s   p   i   r   a   r.

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AUTOR(A)
Margarida Correia
Margarida Correia

Margarida Correia é natural de Lisboa. É Mãe, licenciada em Gestão e informática de profissão.

Viciada no poder da palavra escrita, a folha branca e o carvão são a extensão da mão desde a adolescência. Escreveu em pregões da Blitz, quando era um jornal. Arriscou no DN Jovem. Rabiscou em blogs, murais e fóruns de escrita. Apaixonada pela poesia, é nela que encontra o equilíbrio, possuindo mais de trezentas páginas, guardadas por aí.

Durante a pandemia, sentiu curiosidade em aprender mais sobre o ofício da escrita, tendo frequentado uma «Oficina de Poesia», com o escritor José Luís Peixoto, os programas «Escrita em Ação» e «Livro em Ação», dinamizados por Analita Alves dos Santos e o curso «Escrita de narrativa original do princípio ao fim», do escritor Afonso Cruz.

Tem poemas publicados em algumas coletâneas de poesia e em revistas digitais. Participa ainda com o conto «Contramão» na coletânea de contos «Que o caminho não nos fuja».

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