«A paixão do colecionador de livros assemelha-se à do viajante. Cada biblioteca é uma viagem; cada livro é um passaporte sem caducidade.»
Irene Vallejo, O infinito num junco
Quando lês, mesmo em solidão, tens sempre a companhia das personagens. As estórias envolvem. Vives nas vidas retratadas as tuas experiências, aquelas que viveste sem analisar e aquelas que de outra forma não terias. Adquires conhecimentos para desenvolver as tuas atividades e competências. Encontras a sabedoria dos que existiram antes de ti, dos que têm vivências diferentes das que conheces. Compreendes a relatividade de crenças e valores.
Soledad tinha o rosto da infelicidade, emanava raiva, rancor, inveja. Nasceu com síndrome de Turner, uma anomalia relacionada com défice de um cromossoma x, o que lhe causou baixa estatura, pescoço alado, estrabismo, entre outras deformações e debilidades. A infância foi consumida no hospital de Nens, Barcelona, em sucessivas operações.
Filha única, a sua condição nunca foi aceite pelo pai, que substituiu o desgosto pelo incansável trabalho de jornalista. A mãe, em perpétuo suplício, sacrificou a vida para a consagrar à filha. Soledad tornou-se uma pessoa exigente, manipuladora e maquiavélica, ao ponto de sentir prazer em infligir sofrimento aos pais.
Aos quarenta anos, quando ficou só, não era a feiura que saltava à vista, era a falta de amor-próprio. O universo, na sua perfeição, indicou-lhe um caminho muito diferente do destino temido pelos seus pais. Sozinha, rejeitou com ferocidade todas as ofertas de ajuda, afogou-se em whisky durante meses. Num dos raros momentos de sobriedade, em lágrimas, procurou expiar e suavizar memórias quando, ao acaso, abriu um livro da mãe e leu-o sem notar as horas a passar. Sentiu naquela leitura uma forma de comunicar com ela. Queria dizer-lhe: «Mãezinha, não te preocupes comigo, perdoa-me apenas.» Foi um momento catártico. Encontrou a forma para se justificar a si mesma, se absolver e honrar a memória da mãe.
Leu todos os livros que tinha em casa, depois começou a escolher os assuntos que a interessavam. Um dia saiu para procurar uma obra na biblioteca; nunca mais deixou de lá ir. Foi ali que aprendeu a conviver, conheceu pessoas e sentiu-se incluída. O seu belo timbre e a colocação vocal atraíram produtores de rádio, que a convidaram para participar numa apresentação.
Hoje, dez anos passados, Sol, o diminutivo de seu nome, tem o seu próprio programa com uma audiência fiel. É responsável pela biblioteca.
Pela sabedoria, pela disponibilidade em ajudar, aquela senhora simpática, pequenina, de sorriso franco, é conhecida como “Sol da biblioteca”.
Os livros não julgam, abrem perspetivas, dão liberdade. Quando lês ou escreves, resistes à ignorância e assumes o comando da tua vida.