Letras abraçadas

Letras Abraçadas

Palavras são símbolos, conjuntos de letras que me acompanham há anos e fazem parte de mim. Escrevi missivas de amor, que ainda tenho num relicário com imagens do passado. Com elas fiz redações, escrevi para quem queria comunicar e não sabia. Mães que tinham filhos na guerra ou no estrangeiro. Sabia de cor como começavam: — meu   querido filho e lembro o cenário: — Sentada numa pequena cadeira debaixo de um caramanchão, onde pairava o perfume da flor da laranjeira e o grilar como música de fundo.

 Eu era muito jovem. Além de ser escritora, era uma amiga compreensiva que não queria diminuir quem me pedia ajuda. Sabia, no entanto, que para cada uma daquelas mulheres eu era o máximo. Sabia escrever e guardava os segredos que tinham para contar.

Quando penso nas pessoas que não sabiam ler e que, para sua orientação, recorriam a risquinhos para contar ou desenhos para se entender, fico descontente. Constato agora, nas redes sociais, que quando se gosta de algo, escolhe-se uma flor ou umas mãozinhas a bater palmas, sem que as desenhem, como faziam outrora os tristes dos tristes que não conheciam nem uma letra. Hoje está tudo desenhado à medida, como se escrever fosse um trabalho árduo.

Enquanto o teclado do computador não substituir os caracteres alfabéticos por arte rupestre, vou usá-los. Só nas palavras se casam letras que se abraçam. Abraços que andam por aí noutros braços a aguardar a alegria de ler quem nos diz muito, que nos toca e que nos dá força, como a força que têm as palavras. Frases que saem dos nossos dedos, prenhes de sentimentos, e que fazem amor no papel, sob o olhar de qualquer leitor. É bom ler ternura e alento e receber amor dessa união. Encher os olhos de letras, ouvir o eco, sossegar a mente e fazer vibrar o eu, nas horas vazias e nos dias sempre iguais.

Com as palavras constroem frases que, por vezes, desfilam nas passadeiras coloridas e iluminadas. São apresentadas por estilistas da língua que ditam a moda das expressões.

São tão divulgadas, como uma música em voga ou o novo fato do manequim apresentado na última passerelle. “AINDA ASSIM” é um desses dizeres, modelos mais usados nos meios de comunicação.

Sendo ela a conetividade de oposição, o sentido contrário, usa-se em desfavor de: “contudo, no entanto, porém e todavia”; — passaram a ser Vintage como o corte de cabelo à escovinha, as calças boca-de-sino ou o albernoz. Caíram no esquecimento, já poucos usam, mas não acabaram. Fazem parte do património da nossa língua.

 As palavras ocupam o lugar certo, variando o seu uso ao longo do tempo, ora abraçadas na escrita, ora bailadas na oratória.

A língua é viva

As palavras

Não morrem

Ficam nos poemas

E nos livros

Dos que levaram a vida a sonhar

E, sonhando,“comandaram suas vidas”

Deixaram obra para que eu também sonhasse.

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AUTOR(A)
Maria Celeste Pereira
Maria Celeste Pereira

Nasci no Algarve profundo, num pequeno lugarejo na serra do Caldeirão. Era Setembro de 1946.
A minha avó tinha livros em casa, mas não sabia ler. Não sabia, nem dava valor aquelas preciosidades com Iluminuras. Foram os meus brinquedos.
Na primavera da vida, nos anos sessenta no Curso Comercial em Faro, tomei gosto pela leitura. Fui leitora compulsiva da biblioteca Itinerante da Gulbenkian. Já gostava de escrever. Escrevi cartas, muitas cartas.
No final do curso, rumei a Lisboa. O banco foi o meu emprego de sempre.
No verão da vida, dediquei-me a cuidar dos filhos e da sua educação.
Li menos, mas sempre houve livros na minha casa. Eles são matéria inerte a fervilhar de vida e de sabedoria.
No outono da minha vida, dediquei-me à pintura a óleo, que me têm encantado, e ao mesmo tempo a ler e a escrever poesia.

Publiquei alguns poemas em coletâneas na APP e In-finita.
Dou os primeiros passos na escrita de ficção com o apoio da mentora Analista Alves dos Santos após curso de escrita criativa.

Colaborei na Coletânea de contos QUE O CAMINHO NÃO NOS FUJA

Duas crónicas no número 2 e 3, da Revista Palavrar

Pretendo continuar a ler e a escrever com a ternura e sensibilidade que sou portadora, pondo as palavras a falar na tela, onde as pinto com letras.

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