É simples: se não compreenderes como se estruturam as histórias, jamais saberás como fazê-lo com a tua. Se lidas com outros no teu trabalho e desconheces o que se esconde por entre o emaranhado de elementos que compõem uma narrativa, não tens como ajudar ninguém, pois, para transformar tens de saber o que transformas, porque transformas e até onde podes transformar.
*
Dois bêbados estavam no bar, há mais de três horas, enchendo a cara, até que um pergunta ao outro:
— Onde é que você mora?
— Aqui, na rua do lado…
— Ah, vá… Eu também! Mas nunca te vi por aqui…
— Minha casa é a da esquina com jardim na frente…
— Você está de brincadeira! A minha também é na esquina com jardim na frente…
— A minha é aquela amarela… número 743.
— Espera lá! Mas essa é minha casa!!
— Não senhor! É muito minha!
Sem parar a discussão, foram na direção da tal casa. Chegando lá…
— É aqui que eu moro!
— IMPOSSÍVEL! Quem mora aqui sou eu!
— Se eu. Tô falando que moro aqui, é porque moro!
— De jeito nenhum! Está me chamando de mentiroso?
— Estou sim, essa casa é minha!
E ficaram os dois nesse papo-furado até que a porta se abriu, e uma senhora aparece furiosa e diz:
— BONITO, né? Pai e filho bêbados discutindo no portão!
*
Engraçadinha a piada? Voltarei a ela no fim desta conversa.
Para já, prossigo com uma confissão: quando comecei a minha carreira como consultor de histórias pensava que era uma arte cujos princípios se aplicavam ao entretenimento ou ao marketing e desvalorizava o seu valor para os profissionais que — com o intuito de alinhar, para fortalecer — lidam com a mente e, portanto, comportamento humano. Achava que o coach, por exemplo, ao inserir uma história, interromperia o fluxo do tratamento, o que só iria atrasar, ou distrair o cliente do ponto a que se quisesse chegar. O mundo era outro, então. No divã, quem contava a história era o cliente e o terapeuta, na medida do seu conhecimento, ia retirando sentido do que ouvia. Alinhar uma história demorava meses, anos ou talvez nunca acontecesse. Hoje, contudo, aumentaram as buscas por soluções mais rápidas, pelo ‘mude a sua história, mude a sua vida’. E um coach experiente poderá consegui-lo em minutos, quer em privado, quer em grupos pequenos ou em imensas multidões.
Desde sempre, as pessoas são movidas por histórias: para entreter, ensinar, confortar e inspirar. Para que transformes a ti e aos outros, então, basta aprender a estrutura de histórias realmente influentes.
Há, pelo menos, cinco abordagens básicas de narrativa que valem a pena ser exploradas.
- Mudança simples de estado
Conta uma história em que o estado inicial das personagens corresponde ao do teu público. Em seguida, descreve um evento ou interação que faça com que as personagens passem para um estado mais positivo. O relacionamento empático do cliente com as personagens, levá-lo-á também para esse estado mais positivo.
- Mostrando uma história em andamento
Usa uma história para explicar os detalhes de uma estratégia bem ou mal sucedida. Às vezes é muito mais fácil contar uma história sobre alguém, exibindo uma série de comportamentos úteis ou destrutivos.
- Metáfora
Recorrer à metáfora, pode ser uma forma eficaz de aproximação ao âmago de uma questão. Por exemplo, se estás perante um grupo de diretores que não estão sendo úteis um para o outro, contas uma história sobre um bando de indivíduos fora da lei que perderam tudo porque não concordaram nas decisões a tomar.
- Ajuda o cliente a alinhar a sua história como se fosse um estudo de caso (Case Study, no termo da moda!)
Esta é uma sequência simples para apresentar um estudo de caso:
As coisas como se imagina que são: a situação e o problema (e possivelmente a implicação deste na vida do cliente).
Objetivo: o que o cliente quer alcançar ao resolver o problema.
Ação: o que o cliente já fez, faz e está disposto a fazer para sanar o problema.
Resultado: o que aconteceu (intencionalmente ou não) para se chegar àquele ponto e como a experiência servirá de lição para o que acontecerá ao longo do tempo.
- A jornada do herói
Há várias versões para a estrutura clássica de uma história — esta é vagamente baseada em Joseph Campbell. A jornada passa por três estágios:
- a) Partida
O chamado para a aventura (por exemplo, respondendo a uma crise).
Ultrapassar a renitência à mudança, buscando recursos, internos ou externos, anteriormente desconhecidos
A travessia do limiar, em que entrará em território desconhecido e terá necessidade de abandonar as abordagens anteriores.
- b) Iniciação
O caminho das provas: o herói se depara com uma série de testes em que pode (e provavelmente irá) falhar.
Conhece alguém que se preocupa com ele.
Confronta e aprende a vencer os obstáculos que detinham o ‘poder supremo’ em sua vida, que não o deixavam avançar.
- c) Retorno
O herói vence a renitência em voltar — tão difícil quanto ter abandonado a sua zona de conforto no início da jornada — ao reconhecer benefícios do retorno.
Torna-se mestre de dois mundos. Nele, somam-se a experiência das incertezas e das dores, de antes, à certeza de que pode enfrentar e vencer desafios. Tendo sobrevivido à provação, ganhou uma liberdade para viver como lhe aprouver. Agora sabe escolher!
Enfim, voltemos à linha final da história dos bêbedos:
“— BONITO, né? — diz a senhora à porta. — Pai e filho bêbados discutindo no portão!”
A senhora, tal como o coach, é a intervenção que vem revelar o sentido à história. Este é o desafio! Levar o outro a ver o que, a princípio, é tão claro para ti, mas tão escondido no emaranhado das histórias, para ele. É fácil? É possível? Acredito que sim, e que é UM MILAGRE.