Autor(a):

Pedro Chambel

No centro das ondas, os meses de novo…

Pudera eu contar com a réstia azul, branco, framboesa
do teu vestido marinho,
quando te vi nesse ano que não recordo,
pois a sombra do teu ígneo corcel tudo encerrou.

Numa época em que mais não eras
que um marginal horizonte,
aquela vasta terra
que tudo engolia
transportou-nos
para o centro das ondas

de um Outubro tardio.

Um pequeno barco de vela latina navegava, a contragosto,
à volta de um pedaço de terra esquecida,
batido pelas marés agrestes
que nem nos importunavam
a nós escondidos, fechados, açambarcados.

Sentados num banco de pau
como num cavalo de feira,
esperávamos que o anjo trouxesse as novidades
para nos encaminharmos para a areia
tão fina e suave que lembrava um domingo de Julho.

Num meio-dia quente e abençoado,
abriram-se os portões do céu
aos desterrados de outros mundos
que alinhavam em jogos de sala
e sedução.

 

No futuro

saco do bolso uma moeda

e sigo para uma manhã de Abril.

De súbito, constato que ainda há a gente no mundo.

Visto-me e alinho em mais um desespero sonhado.

Pela manhã, num erguer desassossegado,

lembro-me de ti e de todos.

Arrumo-vos

num bolso escondido

e parto de novo

para os ventos da Hélade

por trilhos adiados…

 

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AUTOR(A)
Pedro Chambel

Pedro Chambel nasceu em Lisboa em 1961. É licenciado em História, mestre em História Medieval e doutor em História Cultural e das Mentalidades da Idade Média. É atualmente investigador do Instituto de Estudos Medievais da F.C.S.H. da Universidade Nova de Lisboa e editor da revista Medievalista. Publicou vinte e um discos de música entre obras a solo e em colaboração. Em 2019 publicou o seu primeiro romance, Marés de Setembro, e em 2024 o livro de poemas “A jornada para Hidaspes”. Publica regularmente artigos de História em revistas nacionais e internacionais. O interesse pela poesia nasceu em finais dos anos setenta do século XX quando descobriu a poesia portuguesa produzida desde os anos cinquenta do mesmo século. Autores como Herberto Helder, Eugénio de Andrade, Ruy Belo, Mário Cesariny ou Jorge de Sena, entre muitos outros, passaram a ser companhias constantes de releituras atentas, a que se juntaram depois autores de outras latitudes e outros de mais recentes anos.

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