Os outros, ou aqueles que pensamos serem os outros, provêm de várias categorias: os membros da nossa família, aqueles com quem convivemos diariamente, aqueles com quem nos cruzamos, os que conhecemos através dos meios de comunicação, das redes sociais, os que vivem noutro lado, noutro país, os que nos precederam e os que nos sucederão. E muitos mais poderíamos acrescentar a esta lista. Nós e o eu, fazem parte de alguma categoria de outros. Como as ondas do oceano se aproximam e separam, emergem e submergem num perpétuo movimento.
Direi que os outros, sejam próximos ou distantes de nós, estão em constante mutação. Mudam, transformam-se. O mesmo ocorre connosco, com a perspetiva que temos deles e eles de nós. Estamos num contínuo de espaço e tempo em constante transformação. O que foi já não existe no momento seguinte. O outro faz parte do que nós somos em cada momento. Tal como no salto quântico, quando uma partícula subatómica se move de A para B sem percorrer o espaço intermédio e sem usar tempo. A partícula ora está em A, ora está em B. Como para lá foi? Quando para lá foi? Não sabemos. Assim, o outro está em nós e fora de nós, sem ocupar tempo nem lugar.
Fomos, somos, muitos e nenhum. Todos os que passaram por nós, nós próprios, fomos e já não somos. Já não somos o bebé recém-nascido, embora nesse outro “nós” já estivesse a matriz do que viríamos a ser. As nossas características físicas e mentais estavam nesse bebé de quem não nos lembramos ter sido. Desapareceu a criança que foi à escola. Eramos nós ou eram outros? Já não temos aquela pele, aquela voz, não somos da mesma altura, não pesamos o mesmo, quase todas as nossas células foram substituídas. Permanece uma essência invisível. Se nos esforçarmos, conseguimos recordar aromas, cores e sons, temos alguma ideia do som das vozes de quem foi próximo de nós. Assim, havia uma parte desse ser que era o “eu”, não o outro.
Os nossos antepassados fazem tanto parte de nós como a nossa prole. Temos traços físicos e psicológicos dos nossos avoengos, tal como os nossos descendentes têm peculiaridades nossas.
O outro não existe sem um observador que sou eu. A vida e o ser têm um padrão de mutação aplicado a tudo e a todos. As nossas necessidades são interdependentes das necessidades dos outros, estamos todos ligados por partículas em constante reposicionamento. Somos observadores e observados num mundo de igualdade. A realidade é construída por cada um de nós, na posição em que nos encontramos naquele momento. Conseguimos ver o que o nosso “olhar” pode alcançar. Para lá da linha do nosso horizonte, o universo continua a existir connosco neste lugar e outros noutros lugares. Os dois coexistem no mesmo espaço e tempo.
O outro sou eu. Os outros somos nós. Desfrutar deste intervalo aqui na terra, conscientes de que somos efémeros, viemos e vamos todos para o mesmo infinito, é um privilégio temporário que o Universo nos entrega.