penso: a paz ronda os meus canhões
como uma ameaça. ou: a paz
conspira dentro do meu duro coração. ou então:
a paz rebenta nas minhas unhas
como fungos apodrecidos. quer dizer: dorme
do outro lado da minha pele camuflada. daí
que: preciso estar alerta: a paz é traiçoeira.
mas pensando bem: a paz é a minha ração de combate.
em
suma: a paz
alimenta os meus sonhos
na tensa escuridão das trincheiras. por isso:
ofereço o meu sangue por ela &
o meu ódio
terno e complacente como um obus.
melhor ainda: a paz depende da convicção dos meus dedos
libertando a espoleta da prisão da ambiguidade.
aqui: a guerra pode ser inútil mas é necessária. digo:
que os fariseus resolvam esse paradoxo
pois: eu preciso erguer-me sobre estes generosos corpos caídos
não esquecê-los um só minuto até
conquistar a paz que há de resgatá-los.
JOÃO MELO
(1988)