momentos de poesia com ...
João Melo
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O soldado na trincheira pensa na paz

penso: a paz ronda os meus canhões

como uma ameaça. ou: a paz

conspira dentro do meu duro coração. ou então:

a paz rebenta nas minhas unhas

como fungos apodrecidos. quer dizer: dorme

do outro lado da minha pele camuflada. daí

que: preciso estar alerta: a paz é traiçoeira.

 

mas pensando bem: a paz é a minha ração de combate.

em

suma: a paz

alimenta os meus sonhos

na tensa escuridão das trincheiras. por isso:

ofereço o meu sangue por ela &

o meu ódio

terno e complacente como um obus.

 

melhor ainda: a paz depende da convicção dos meus dedos

libertando a espoleta da prisão da ambiguidade.

aqui: a guerra pode ser inútil mas é necessária. digo:

que os fariseus resolvam esse paradoxo

pois: eu preciso erguer-me sobre estes generosos corpos caídos

não esquecê-los um só minuto até

conquistar a paz que há de resgatá-los.

 

                                                                        JOÃO MELO

                                                                             (1988)