Sententia - Os Outros Escritores - Lenia Rufino

Os outros escritores

    No processo de edição do primeiro romance, uma das coisas que me serviu sempre de farol foi a certeza de que queria que o caminho que fiz servisse de exemplo para outros escritores em busca da publicação de estreia.

    Fala-se pouco do processo de publicação em Portugal. Encontro imensos autores que não fazem ideia de que passos devem dar para concretizar o seu sonho: não sabem que editoras abordar, como abordar uma editora, o que esperar a seguir. São poucos os que dedicam tempo a estudar o mercado, a tentar compreender as “regras do jogo” e que, depois, usam essa informação para chegarem à publicação dos seus livros. 

    Custa-me saber que é difícil publicar em Portugal, e que o facto de se ter conhecimentos no meio ajuda a desbloquear muita coisa. Mas, apesar de ser difícil, não é impossível. 

    Conto-vos a minha história, e se ela servir para ajudar um escritor que seja, então o objectivo foi cumprido.

    Não venho de um meio ligado à escrita: não cresci entre escritores (nem no seio de nenhuma outra área artística), não sou jornalista e nunca privei com este ambiente. Sou uma simples mortal que cresceu com o sonho de ser escritora, não porque me interesse a fama, mas porque vivo com demasiadas histórias para contar, e porque me habitam demasiadas personagens que me pedem que lhes dê vida, trazendo-as para o papel.

    Aos 23 anos, comecei a escrever em blogues, o que mantive durante mais de uma década. Pelo meio, fui escrevendo poemas e pequenos contos. Publiquei alguns no extinto “DNJovem” (de onde também saíram nomes como José Luís Peixoto, Ricardo Araújo Pereira e Pedro Mexia, por exemplo); muito do que escrevi ficou na gaveta. Hoje, olhando para trás, agradeço por ter tido o bom senso de não ter tentado publicar nada daquilo) nessa altura: era demasiado imatura, tinha uma escrita ainda muito incipiente e estava longe do que sou hoje, enquanto escritora. Não digo com isto que seja preciso esperar até aos 40 anos para publicar. Digo apenas que, no meu caso, ainda bem que soube esperar. 

    Demorei-me na escrita porque não fazia ideia de como se escreve um romance. Fui à procura de ajuda e fiz dois cursos de Escrita de Romance com o João Tordo, em que usei partes do que estava a escrever para os exercícios do curso. Só quatro anos e meio depois de começar a escrever o meu livro senti que ele estava pronto a ser apresentado às editoras. Gastei horas e horas em revisões, aprimorei o que pude, sem ajuda de nenhum editor, e sem conselhos de ninguém experiente na área. O meu manuscrito era uma coisa em bruto, a precisar de ser burilada por quem entende do assunto.

    O passo seguinte foi talvez o mais desafiante: entendi que seria disparatado enviar o meu livro para todas as editoras, porque nem todas publicam autores estreantes ou o género literário que escrevi. Portanto, dediquei-me a estudar um pouco o mercado editorial e cheguei a um número razoável de editoras que poderiam servir o meu propósito. 

    Depois, procurei contactos o mais directos possível. Em alguns casos, consegui; noutros, não passei do e-mail genérico que as editoras divulgam nos seus sites. 

    Enviei o meu manuscrito para as editoras que seleccionei, e imaginei que demorasse muito tempo a obter respostas — algumas nunca chegaram, outras demoraram efectivamente algum tempo, e duas ou três foram rápidas a dizer que não iriam publicar o meu livro. E está tudo bem. A minha oportunidade haveria de chegar, se fosse para acontecer.
A meio de Setembro de 2019, recebi o meu tão esperado “SIM”. Obviamente, a alegria foi imensa. 

    Começámos imediatamente a trabalhar no manuscrito: fez-se uma revisão linguística da obra, tratou-se da capa… e o mundo parou às mãos de uma pandemia. A publicação foi adiada e acabou por me ser dada a hipótese de aguardar por melhor altura, ou de cancelar o contrato e voltar à casa de partida. Senti que era isto que devia fazer e anulei tudo o que fora estipulado antes. Chorei. Rendi-me ao medo de ter nas mãos um sonho que não era para acontecer. Estávamos em Julho de 2020.

    Mas o mundo gira e as peças encaixam nos sítios onde cabem. Pouco tempo depois deste retrocesso, fui abordada por uma das editoras que não tinha contactado antes. Uma das assistentes editoriais seguia-me no Instagram, acompanhou o processo, e sugeriu à sua editora que lessem o meu manuscrito. Não foi uma janela que se abriu depois da porta se fechar; foi um portão gigante, na verdade.

    Passadas duas semanas de ter o meu manuscrito lido, a editora ligou-me a perguntar se queria editar o livro com ela. Explodi de alegria mais uma vez, ainda mais do que aquando do primeiro “sim”.

    Depois disto, o trabalho foi intenso: revisões literárias (que não tinham sido feitas com a primeira editora), revisões linguísticas, a escolha da capa e dos separadores, a selecção da fonte e do seu tamanho. Nestes passos todos, as minhas editoras foram de um profissionalismo muito, muito impressionante. Nunca me deixaram sozinha, nunca me impuseram nada. Aconselharam-me, orientaram-me, mas deixaram para mim a palavra final.

    Em Março de 2021, fui buscar os primeiros exemplares do meu livro à editora. Chorei, claro que chorei. Tinha nas mãos a concretização do meu sonho. 

    A altura do lançamento foi uma época de muito medo para mim. Estava absolutamente orgulhosa do que tínhamos feito, mas… e se o mercado não gostasse do meu livro? E se tudo fosse uma desilusão imensa?

    Não foi. Felizmente, o livro foi bem recebido, e eu senti mesmo muito carinho da parte dos leitores que estava a conquistar. Claro que houve quem não gostasse tanto, e li críticas menos boas. Às que senti como construtivas dei a máxima atenção — vi nelas uma forma de melhorar o que faço quando escrevo. Às maldosas não dei importância nenhuma. 

    Agora, um ano e meio depois de ter o livro cá fora, estou de novo perante o dilema da página em branco. E continuo com medo de falhar, de não ser capaz de contar a história que quero trazer cá para fora. Mais do que inspiração, a escrita requer dedicação. Todos os que escrevem porque é esse o seu sonho sabem isto. A esses, aos que estão agora a começar, deixo esta história, para que lhes sirva de exemplo e, quem sabe, os ajude a conquistar o sonho. Se precisarem de mim, estou sempre à distância de um e-mail ou de uma mensagem no Instagram. Vemo-nos por aí, nas páginas dos vossos futuros livros.

A pedido da Autora, este texto não segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

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AUTOR(A)
Lénia Rufino

Lénia Rufino nasceu em 1979, em Lisboa. Cresceu nos subúrbios, rodeada de livros. Estudou Publicidade e Marketing, mas devia ter estudado Psicologia Criminal, a sua grande paixão a par da escrita. Aos dez anos escreveu o seu primeiro conto e decidiu que, um dia, haveria de ser escritora. Demorou trinta e dois anos a conseguir.
Publicou vários contos no DNJovem e lamenta a extinção desta plataforma de divulgação de novos talentos. É autora de blogues desde 2003. Atualmente, colabora com o Repórter Sombra (www.reportersombra.com), onde publica contos mensalmente. O Lugar das Árvores Tristes é o seu primeiro romance.

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