Crónica do Viajante - Passeante de Paris - João Ventura

Passeante de Paris

Gosto de Paris e dos seus clichés. Gosto dos entardeceres sob o zinco da esplanada do “Café de Flore”, folheando um livro acabado de comprar, ali mesmo do outro lado da rua, na livraria “La Hune”. Gosto de caminhar à deriva por Germain-des-Près, guiado pela intuição do passeante, e de ir, depois, pela Rue de Seine, cruzar o arco que dá para o Quai de Conti e para a Pont des Arts onde — quem sabe? — talvez sob “a luz cinza e esverdeada que flutua sobre o rio possa entrever” a Maga da “Rayuela” de Julio Cortazar, umas vezes “andando de um lado para o outro da ponte, outras vezes imóvel, debruçada sobre o parapeito de ferro, olhando a água”. Gosto dos bouquinistes ao longo dos cais do Sena. Gosto da Île de Saint-Louis com as suas boutiques elegantes. Gosto de deambular pelo Marais até à Place de Vosges e, depois, tomar um chá na Rue Vieille du Temple. Gosto da Rue Mouffetard, “essa maravilhosa rua estreita com o seu mercado sempre coalhado de gente”, cruzada por Hemingway a caminho do “Café des Amateurs”. Gosto do aroma forte dos queijos que assomam nas vitrines da velha crémerie da Rue Saint Jacques. Gosto da livraria “Arbre à Lettres”, na Place Contrescarpe, onde vem desembocar a Rue Mouffetard. Gosto de errar pelas passagens secretas, onde Walter Benjamin via Paris como a cidade dos espelhos. Gosto de me imaginar “Le Paysan de Paris” e como Aragon perder-me na sua cartografia, escutando a formidável ressonância das pequenas coisas que apenas se revelam ao passeante. Gosto de Paris, porque, como escreve Enrique Vila-Matas, “Paris Nunca se Acaba”.

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AUTOR(A)
João Ventura
João Ventura

Fui durante largos anos professor de língua e literatura portuguesas, e durante três anos, de cultura portuguesa na Sorbonne, em Paris. Também lecionei na Universidade do Algarve cadeiras de gestão cultural e exerci o cargo de Diretor Regional de Cultura do Algarve. Fui bibliotecário. E fui diretor do TEMPO.

Como professor, bibliotecário ou gestor e programador cultural, a crónica da minha trajetória profissional tem duas marcas que a definem: a opção pelo sector público e pela criatividade. Por isso, a minha formação e aprendizagem nunca a dou por concluída, seja regressando uma e outra vez aos bancos da universidade seja através da leitura e das viagens que são outras duas marcas da crónica da minha aventura pessoal.

Gosto de ler, escrever e viajar. E estas três atividades furtivas ligam-se entre si. Umas vezes, leio e viajo para escrever. Outras vezes, leio e escrevo para viajar em seguida aos lugares que antecipei em crónicas de viagem inventadas. Destas deambulações, umas vezes literárias, outras geográficas, fui deixando rastos no papel. Na revista Atlântica, cujo projeto editorial criei e da qual fui diretor, e nos blogues O que cai dos dias, O leitor sem qualidades e, agora no blogue nómada Fora daqui.

Gosto de me ver como um criador de projetos culturais, alguém que faz acontecer ideias seja na vida profissional seja na vida privada. Atualmente, trabalho na Biblioteca Municipal de Portimão, desenvolvendo ideias e projetos de divulgação do livro e da leitura. E tenho em mãos, a escrita de um livro de crónicas de viagens literárias. Também gosto de cozinhar.

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