Autor(a):

Luís Aguiar

Pecado

Ergo-me, imaturo, da prisão do mundo. Confesso que gostaria

de saber sorrir. Não sei, a minha perspicácia é anónima.

Escuto o vento que desliza pelo teu corpo curvado,

bem sei que tem o nome de uma colina,

bem sei que tem o sabor de um figo maduro –

ditongo negro, longo, que aflige o ventre essencial.

 

Não me arrependo de ter colhido a melancolia

na liberdade expatriada, impelida pela fragilidade da noite.

As mães não têm hora de escrever.

Não há esforço que provenha dos deuses,

embora os sinais indiquem

que há sempre uma luz que deforma a outra luz até à escuridão,

a mesma que destitui, que desprende o que é antigo,

que afirma, enfim, a dureza da infância e o desejo mais precioso.

 

Talvez seja esta a indulgência do segredo. Sim, sim,

já que é o amor que sombreia o absoluto abandono –

delidas lágrimas que se escondem nas searas longínquas.

 

Entrego-te a derradeira confidência numa carta vazia –

quero a nudez da tua carne para sorver nela o verso puro,

cheio de significado, transparente, rasgado na orla da rosa –

assim eu nasci,

pequena metáfora que se renovou perante a aquiescência da luz,

enquanto a madrugada vasculhava outro tipo de margem,

lívida e ígnea porta – belíssima perante o mundo –,

mundo esse que admito, agora, ter a cor de uma hortênsia.

 

 

 

Não falo para os miseráveis,

as ruas de alcatrão são ambíguas, amarelas,

pelo menos as que eu perscrutei na tua voz

onde a ciência se adensa.

 

As horas passaram devagar

e as putas foram-se renovando com o fumo dos bares.

 

Não compreendo a razão de Deus ainda me cumprimentar –

o poeta, o filho da puta do poeta,

será sempre velho e risível perante o esperma divino.

 

Com o tempo a morte anunciará a ausência da luz.

Este será o cancioneiro dos cães vadios, a balada das casas amarelecidas,

já que tudo cabe numa ferida, e as feridas são, certamente,

rumorosos sangues,

inscritos nas veias dos homens tão cheios de solidão,

homens que procuravam nas montras as giestas amargas,

e a capacidade de abrir o vento, em compasso ternário,

frio vento, brando, que nos mede a língua e a linguagem das volantes cidades,

onde só há prédios devolutos, e crianças perdidas

com fome nos olhos e no espírito,

enquanto Gregory Porter, audaz, soletrava séculos disformes na voz.

 

Um dia, hão-de insinuar que a vida era um violento sol, pouco nítido,

mas que rompia o lençol das nuvens e a transparência da água,

a mesma que principiava o estio nas extensas agras ainda por lavrar.

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AUTOR(A)
Luís Aguiar

Luís Aguiar nasceu em Oliveira de Azeméis, em 1979. Vive há duas décadas em Águeda. Em 2018 obteve o grau de Mestre em Línguas e Relações Empresariais ao terminar o curso com a dissertação “«A Escalada do Dragão» e a Nova Rota da Seda – A China em Portugal. Que futuro?”, dissertação que incide sobre a crescente presença da China em Portugal, e que evidencia o substancial aumento de investidores chineses em diferentes segmentos e setores de mercado em Portugal.

A sua educação artística estende-se a vários domínios, estudou música clássica no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Aveiro; guitarra portuguesa na Escola de Fado de Coimbra; guitarra eléctrica e acústica na GuilhermeGuitarCenter, em São João da Madeira e fotografia no Centro de artes de São João da Madeira.

Em 2021 venceu a 3.ª Bienal de Arte da Vila de Fânzeres, na área de fotografia, e em 2023, uma Menção Honrosa no Concurso de Fotografia “Entrelinhas – Festa do Ferroviário”, na categoria “Infraestruturas”, concurso de âmbito nacional promovido pelo Município de Valongo.

Ao nível desportivo é atleta federado de Karaté Shotokan, onde desenvolve a prática no Núcleo de Karaté de Sangalhos (NKS), sendo, em 2023, 1.º Kyu (cinto castanho).

Praticou Karaté Goju-Ryu na Associação Portuguesa de Okinawa Goju-Ryu Karate Do (APOGK) até 2020, tendo obtido, ao nível de graduação, o 3.º Kyu (cinto castanho).

Ao nível profissional, Luís Aguiar é Supply Chain Manager na Loja do Shampoo (Onlifarma Unip. Lda), um dos maiores players portugueses, empresa de prestígio que se dedica à venda online de marcas de produtos de haircare, perfumaria, cosméticos e bem-estar.

No que diz respeito à sua experiência com a literatura, Luís Aguiar, em 2023, foi jurado do Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres. É, também, jurado do Concurso de Poesia Agostinho Gomes, desde 2020.

Foi coordenador da antologia «São Cravos, 50 Anos de Abril, 100 Poemas», colectânea publicada pela Editora Labirinto, em Abril de 2024, alusiva às comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos.

 

Foi colaborador assíduo do Diários de Notícias (DN Jovem), suplemento cultural onde publicou dezenas de poemas, entre 2001 e 2007.

Dedica-se à poesia desde 1999, tem poemas dispersos por antologias e revistas literárias. Tem catorze livros de poesia publicados até 2023.

Foi galardoado em dezenas de prémios literários de índole nacional e internacional desde 1999. Entre estes destacam-se o Prémio de PoesiaPlural (2023); Prémio Literário Manuel Maria Barbosa du Bocage (2022); Prémio Literário Pedro da Fonseca (2022); Prémio Literário Cidade de Almada (2021); Finalista do Premio Internacional de Poesía Jovellanos – El Mejor Poema del Mundo – Ediciones Nobel (2021); Prémio Literário Mariano Calado (2021); Prémio Nacional de Poesia da Vila de Fânzeres (2019); Prémio de Poesia Judith Teixeira (2017); 2.º lugar no Prémio Internacional Sepé Tiaraju de Poesia Ibero-Americana – Brasil (2009); Prémio Literário São Domingos de Gusmão (2007); Menção Honrosa no Prémio Literário Florbela Espanca (2007); Prémio Literário Afonso Lopes Vieira (2006); Prémio Nacional de Poesia Idanha-a-Nova – 8oo anos (2006); 1.º lugar no Premio del Concorso Internazionale di Poesia Castello di Duino – Trieste, Itália (2005); Prémio Nacional de Literatura Juvenil Ferreira de Castro (2000).

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