Ergo-me, imaturo, da prisão do mundo. Confesso que gostaria
de saber sorrir. Não sei, a minha perspicácia é anónima.
Escuto o vento que desliza pelo teu corpo curvado,
bem sei que tem o nome de uma colina,
bem sei que tem o sabor de um figo maduro –
ditongo negro, longo, que aflige o ventre essencial.
Não me arrependo de ter colhido a melancolia
na liberdade expatriada, impelida pela fragilidade da noite.
As mães não têm hora de escrever.
Não há esforço que provenha dos deuses,
embora os sinais indiquem
que há sempre uma luz que deforma a outra luz até à escuridão,
a mesma que destitui, que desprende o que é antigo,
que afirma, enfim, a dureza da infância e o desejo mais precioso.
Talvez seja esta a indulgência do segredo. Sim, sim,
já que é o amor que sombreia o absoluto abandono –
delidas lágrimas que se escondem nas searas longínquas.
Entrego-te a derradeira confidência numa carta vazia –
quero a nudez da tua carne para sorver nela o verso puro,
cheio de significado, transparente, rasgado na orla da rosa –
assim eu nasci,
pequena metáfora que se renovou perante a aquiescência da luz,
enquanto a madrugada vasculhava outro tipo de margem,
lívida e ígnea porta – belíssima perante o mundo –,
mundo esse que admito, agora, ter a cor de uma hortênsia.
Não falo para os miseráveis,
as ruas de alcatrão são ambíguas, amarelas,
pelo menos as que eu perscrutei na tua voz
onde a ciência se adensa.
As horas passaram devagar
e as putas foram-se renovando com o fumo dos bares.
Não compreendo a razão de Deus ainda me cumprimentar –
o poeta, o filho da puta do poeta,
será sempre velho e risível perante o esperma divino.
Com o tempo a morte anunciará a ausência da luz.
Este será o cancioneiro dos cães vadios, a balada das casas amarelecidas,
já que tudo cabe numa ferida, e as feridas são, certamente,
rumorosos sangues,
inscritos nas veias dos homens tão cheios de solidão,
homens que procuravam nas montras as giestas amargas,
e a capacidade de abrir o vento, em compasso ternário,
frio vento, brando, que nos mede a língua e a linguagem das volantes cidades,
onde só há prédios devolutos, e crianças perdidas
com fome nos olhos e no espírito,
enquanto Gregory Porter, audaz, soletrava séculos disformes na voz.
Um dia, hão-de insinuar que a vida era um violento sol, pouco nítido,
mas que rompia o lençol das nuvens e a transparência da água,
a mesma que principiava o estio nas extensas agras ainda por lavrar.