Autor(a):

Júlia Domingues

Positividade Tóxica – O perigo de (não) sentir

O «pensamento positivo» há muito que deixou de estar associado ao cruzar de dedos para «fazer figas» ou de pensar com muita força para que as coisas corram sempre bem. Instalou-se em nós uma mania muito própria de achar que não podemos sentir algo abaixo do espetacular.

Vivemos numa era onde o pensamento positivo é exaltado como o remédio para todos os males. Eu, autora de livros de autoajuda e criadora de conteúdos digitais motivacionais, dou por mim a pensar, nas alturas em que não tenho nada de positivo para escrever: como vou inspirar estas pessoas que estão à espera daquela frase, no final do dia, para as ajudar a aliviar as agruras da vida? Todos os dias, nas redes sociais e na vida quotidiana, ouvimos frases como: “Tudo acontece por uma razão.”, “Foca-te no lado bom.” ou “Outras pessoas têm problemas piores.”

Frases como estas até podem surtir efeito nos primeiros 5 minutos, mas, depois, tudo isto se pode tornar um fardo (a juntar ao peso que já carregamos). Ignorar as nossas emoções negativas em nome de uma falsa positividade não só nega a nossa humanidade, como também pode agravar o nosso sofrimento.

Estas mensagens, por mais bem-intencionadas que sejam, ignoram uma verdade simples: a vida é composta de altos e baixos. Ao tentarmos forçar uma felicidade constante, caímos no território da positividade tóxica, uma abordagem que invalida as nossas emoções e nos desconecta da realidade.

A positividade tóxica é a insistência em se ser positivo mesmo perante desafios ou dores legítimas. É uma cultura que transforma o otimismo numa obrigação, em vez de permitir uma escolha. Alguém que acaba de ser despedido, após anos de esforço e dedicação, ao ouvir outra pessoa dizer: “Não te preocupes, pelo menos tens saúde.”, vai-se sentir ainda mais culpada por não ter trabalho e por não conseguir reconhecer, naquele momento, valores tão importantes como a saúde. Estas respostas, embora aparentemente reconfortantes, transmitem frequentemente a ideia de que o sofrimento é algo errado, a ser evitado a todo o custo. Mas ignorar ou reprimir emoções negativas não as faz desaparecer; apenas as torna mais intensas e difíceis de lidar.

Ao contrário do que muitos acreditam, aceitar emoções negativas não é sinal de fraqueza, mas de força. A vulnerabilidade permite-nos reconhecer que somos humanos, com limitações e medos, mas também com resiliência. Lidar com emoções negativas não é fácil, mas é essencial para o equilíbrio emocional. Aceitar que nem tudo precisa de um lado positivo, permite-nos respeitar o nosso processo e o nosso tempo. Nem todas as experiências têm de ser transformadas em lições ou oportunidades. Às vezes, é suficiente considerar que algo é difícil e dar-nos permissão para sentir o que está para vir.

Sentir tristeza, medo ou frustração não nos enfraquece — pelo contrário, permite-nos crescer e enfrentar desafios com mais clareza e equilíbrio.

A positividade tóxica promete soluções rápidas, mas a consciência emocional oferece algo mais duradouro: resiliência. Aceitar que uma vida tem altos e baixos não é pessimismo, mas uma maneira de viver de forma mais plena e honesta. Até porque, como se costuma dizer: “De boas intenções, está o inferno cheio!”

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AUTOR(A)
Júlia Domingues

Júlia Domingues, nasceu em 1977, Lisboa, Portugal. É a autora da página de facebook, Só que não, que conta, no somatório das redes sociais, com uma comunidade de perto de 1 milhão de seguidores.

Em 2020, publica o primeiro livro, Acredita, a vida sabe o que faz, e em Dezembro do mesmo ano publica o segundo livro, Acredita, o melhor está para vir (o calendário de Advento).

Em 2020 conclui a Certificação Internacional em Storytelling, pela Mcsill Story Studio, e em 2021 e torna-se sua parceira internacional. É facilitadora de cursos, palestras e workshops na área da escrita motivacional e de desenvolvimento pessoal.

Recentemente, publicou o terceiro livro Com o amor dos outros, posso eu bem.

O segredo da sua escrita? Júlia Domingues não escreve para os leitores, ela fala com eles.

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