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Editorial

Cisões, atrito, conflito, a oposição de frações. Não há literatura sem isto, pois o que está separado oferece mais à exploração, acrescentando-se como trama os caminhos percorridos até à divisão e ao que acontece no confronto entre o que foi apartado. Mas o que foi afastado esteve junto, o que foi divido foi uno. Numa equação de partes, cada lado é uma porção do todo.

Vivemos tempos perturbados, de separação: conflitos de opiniões, fracções sociais, alianças nacionais, divisões internacionais… e no espaço criado pelo afastamento, caímos. Na PALAVRAR acreditamos que as palavras unem sempre, mesmo na oposição. A leitura e a escrita são fonte de empatia, compreensão do que é diferente, clareza sobre as múltiplas partes que são os outros, e que somos nós. Todos tão diferentes, mas tão semelhantes.

Na nossa sexta edição, elegemos como mote a expressão “no lado certo”, que acreditamos ter o potencial de fazer brilhar letras e palavras na sua magia. O resultado é uma miríade de olhares díspares, mas todos eles acertados.

A ler e a escrever, resistimos ao que destrói e construímos. Palavramos.

Diana Almeida

Ao longo dos séculos, grandes escritores procuraram os limites da moralidade, da justiça e da verdade, muitas vezes por labirintos de perspetivas conflituantes.

Dos épicos gregos que exploraram a bravura até aos romances contemporâneos que desenterram as imperfeições da sociedade, os escritores têm desafiado os leitores a mergulhar nas complexidades do certo e do errado.

Mas o que é «O Lado Certo» num mundo onde as noções de moralidade estão em constante mutação?

Vivemos numa era de polarização política, desigualdades e desafios globais sem precedentes. O que é certo para alguns pode parecer errado para outros, e as linhas entre o bem e o mal parecem esborratadas. É precisamente nesse cenário complexo que a literatura nos guia em direção ao onírico lado certo.

A literatura tem essa capacidade: captar a essência do mundo e refletir sobre os emaranhamentos da condição humana.

Autores contemporâneos estão dispostos a explorar temas delicados, lançando luz sobre o negrume da sociedade. Livros que lidam com questões como racismo, sexismo, disparidades económicas e mudanças climáticas, confrontam-nos com a realidade desconfortável dos nossos tempos. E, ao fazê-lo, desafiam-nos a encarar crenças e preconceitos, incitando-nos a descobrir «O Lado Certo» dentro de nós.

Encontramos na literatura a oportunidade de escapar da agitação do real e conhecer mundos alternativos, onde os dilemas morais são muitas vezes amplificados. Através da fantasia, da ficção científica e da distopia, contemplamos os efeitos das nossas ações e escolhas com mais clareza. Recordo-me de imediato da obra «Cadernos da Água», de João Reis e a história de um Portugal em seca extrema.

Esta arte ajuda-nos a desenvolver empatia. Ao mergulhar nas experiências das personagens, compreendemos a perspetiva do outro, essencial para vislumbrar algum lado certo. Lembra-nos também de que não existe uma resposta definitiva. Capacita-nos a fazer perguntas acertadas e a procurar a evolução moral. Quem não se compadeceu com o criminoso Raskólnikov, de Fiódor Dostoiévski?

À medida que enfrentamos os desafios da atualidade, marcada por divisões e incertezas, a literatura continua a ser um farol. E apesar das ambiguidades da vida, a busca pelo lado certo é uma jornada que nunca deverá ser abandonada. Ao comprometermo-nos com essa busca, podemos, esperançosamente, moldar um mundo mais justo e compreensivo para as gerações por vir.

Analita Alves dos Santos