Se passasse um filme retratando a tua vida

Se passasse um filme retratando a tua vida

“Se passasse um filme retratando a tua vida, assistirias na sala com a família?”

Para algumas pessoas seria difícil responder, eu respondi de imediato:

— Assistiria. Ia chorar muito, mas também sentir muito orgulho das minhas superações.

Hoje, vivo sem preconceitos e permito-me ser eu própria. Decido e escolho o que é melhor para mim/que me faz feliz. Os cremes que adquiria, como qualquer mulher, ocupam os lugares de bibelôs e não uso maquilhagem. Felizmente não tenho o rosto marcado pelas rugas, ou se tenho, não me preocupo. Sou simples e amo-me por inteiro. Sou aventureira, forte, com sede de aprender algo mais. Nem sempre o fui. Vivi uma infância plena de violência, tendo de lutar contra o sofrimento. Nasci numa família sem o bem-estar de uma linhagem abastada vivendo com muitas dificuldades. Vi vários elementos da minha parentela entregue ao alcoolismo, destruídos. Além de violência doméstica, colecionei as traições do meu marido, exibindo cada mulher conquistada como um troféu ganho. Até aos trinta e nove anos, inconscientemente fechei os olhos, tapei os ouvidos, ignorei a intuição que me dizia não merecer aquele inferno.

O meu rosto estava envelhecido carreado de tristeza. Vivi muito tempo presa a crenças que me impediam de tomar consciência da realidade que eu criava. Sendo catequista, tinha de manter uma imagem de acordo com os ensinamentos que ensinava. Até que uma situação alterou tudo. É preciso ganhar coragem e pôr um ponto final no que nos destrói. Nada dói mais do que as notícias em que tantas mulheres falecem. Por vezes, é quase impossível dar o passo para a liberdade. Agradeço muito o incrível presente que Deus me deu, no momento em que quase sucumbi às mãos do meu agressor. Se morresse, o meu filho morreria comigo e isso não permitiria. Por aquele ser minúsculo que habitava no meu ventre, resisti. Nunca soube como, mas naquele momento o meu anjo da guarda esteve ali e tomei uma decisão. Iniciei o pedido de divórcio. Sabia que com duas filhas e outro a caminho não seria fácil, mas acabava com aquele cativeiro.

Iniciei uma luta sem precedentes, perdi a conta às vezes que a minha integridade física foi agredida. Vivia com medo, sem margem para erros. Os dias passavam enquanto vivia em suspense. Dormia com olhos intermitentes, abrindo e fechando a todo o momento. Finalmente o divórcio saiu, o juiz percebeu que as tentativas de reconciliação não tinham motivos para acontecerem. Respirei aliviada quando ele citou:

—Declaro-vos oficialmente divorciados.

Metade da minha luta estava concluída. A outra estava a chegar… e desenganem-se se ficou por aqui. Foram anos de luta até hoje. Porém, venci e, mesmo longe do meu país, concretizo os sonhos guardados nas gavetas do meu ser.

Partilhe:
AUTOR(A)
Helena Gregório
MAIS ARTIGOS