Apesar do título desta crónica, escrevo sobre a importância das bolas de sabão, no plural. Não de uma bola de sabão em particular, porque, tal como nós, uma bola de sabão não nasce, cresce e existe sozinha.
Eis uma temática que deveria exigir interesse mundial. Mas a verdade é que pouco se diz ou escreve sobre essas esferas frágeis e etéreas que, por capricho do destino, têm o poder de atrair a nossa atenção e desviar-nos dos trilhos da seriedade.
Quando foi a última vez que sentiu o poder das bolas de sabão? Libertou o feitiço ao rodar a tampa do frasco translúcido no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio? Apenas após agitá-lo energeticamente, óbvio. Depois, pegou na tampa com a pequena varinha revestida por uma fina camada de sabão líquido, e as gotículas que repousavam, abriram o portal para outro universo? De um sopro, de pulmões cheios, libertou esferas deslizantes de tons perfumados de rosa, azul, verde e dourado, dançantes ao som de uma melodia impercetível. Pura magia.
Deveriam ensinar-se nas escolas os fundamentos essenciais da arte das bolas de sabão, assim como do amor, através de masterclasses e uma sebenta multidisciplinar, sem esquecer a ciência de aprender como pensa uma mulher, como cantam os Quatro e Meia.
Conhece a filosofia intemporal das bolas de sabão? Passo a explicar. Quanto ao amor, lamento, mas não tenho competências suficientes para ministrar esses conhecimentos. Continuo em processo de aprendizagem. Duvido, aliás, que alguém possua tal especialidade. E chocamos num dualismo ao estilo cartesiano. Como aprender algo, se ninguém nos pode ensinar? A experiência é a madre das coisas, já dizia Duarte Pacheco Pereira.
Imagine, se conseguir, um mundo onde todas as preocupações e dilemas se assemelhassem a estas pequenas maravilhas translúcidas. Como seria fácil (e até divertido) resolvermos os problemas com um simples sopro, vendo-os flutuar e desaparecer no ar, enquanto as ansiedades desvaneciam como vapor no horizonte. Oh, despreocupado e leve seria o nosso fado.
Como esferas brilhantes, habitamos uma existência fugaz. Somos um bafo mortal, reflexo das cores do arco-íris, sob o mesmo astro que desidrata, fragmenta e dissolve no ar esperanças coloridas. E o carpe diem prevalece. Mas não se deixe levar pelo romantismo do transitório.
Imagine, agora, um mundo governado por bolas de sabão, onde as decisões políticas, económicas e sociais são ditadas por Bóreas. Um mundo onde a fragilidade de tais efémeras criaturas coloca em causa a solidez e a consistência das estruturas seria absurdo, incoerente.
É verdade que a beleza reside na transitoriedade das coisas. Mas viver uma lição constante sobre a impermanência? Não. As mudanças que a vida nos proporciona bastam-nos, juntamente com os imprevistos. O vazio, a solidão e a ilusão do amor, das intimidades simuladas, de corpos partilhados, mas onde as mentes e os corações não intervêm no processo. As conversas vazias que não enchem o copo para um brinde. A vaidade exibida nos murais virtuais, mais frágeis do que bolas de sabão. Tudo isto já é muito, e já nos adormece.
A dita filosofia das bolas de sabão impele-nos a permanecer despertos, a encontrar um sentido na brevidade, a valorizar o momento e a nutrir o sentimento de pertença. Apesar de efémeras, as experiências vividas são únicas, preciosas. A vida é um presente a celebrar, mesmo frágil e incerta como uma bola de sabão. E, quem sabe, no meio dessa volatilidade, poderemos encontrar algo duradouro. Talvez o amor? Preferia que não.