Pediram-me que escrevesse este texto[i], mas preferia não o fazer. O meu cérebro preferia não o fazer. Não sei bem explicar, e vão vocês pensar: «Mas como assim, preferia? Se neste mundo pouca gente prefere, de onde lhe chega a vontade de contrariar a maré, a corrente, a torrente.» Vocês pensam bonito, estou a ver.
«Não há nada que irrite mais uma pessoa enérgica do que a resistência passiva.»
Do acto de não fazer vem o espaço para ser?
Não fazer por oposição aos que fazem, é isso ser diferente?
É a diferença incómoda, mais, insuportável, a quem se quer enquadrar e ser legitimador da normalidade? E, numa sociedade capitalista, a tranquilidade na certeza inquieta?
«Olhei-o com firmeza. O seu semblante mantinha-se tranquilo; os olhos, cinzentos e calmos. Nem uma ruga de inquietação, cólera, de impaciência ou impertinência; por outras palavras, tivesse havido alguma coisa de ordinariamente humano nele, sem dúvida que eu logo o teria despedido sem qualquer contemplação.»
Que espirituoso, isto de não haver comandante sem comandado, de não se sentir superior quem não esteja perante um inferiorizado.
«E mais do que qualquer outra coisa, recordava-me de um certo ar, inconsciente, de pálida — como lhe hei-de chamar? —, de pálida altivez, digamos uma austera reserva a seu respeito, que positivamente me atemorizava (…)»
Será a inércia ou a diferença uma manifestação da liberdade de ser, ou é Bartleby apenas teimoso, preguiçoso, desrespeitoso?
«Tanta pergunta retórica», pensam vocês. É um facto. Mas se posso, porque não? «Lá está ela outra vez. Alguém que a pare, que isto já começa a parecer pouco cortês.» Vocês até pensam em rima, estou a ver.
E quem decide as respostas a todas estas perguntas? Quem escreve ou quem lê? Pois é, agora é que vos apanhei. Descalcem lá esta bota, se vos aprouver.
No que toca a quem responde, eu não vou ser, porque preferia não o fazer.
E não sei o que esperam de mim, vocês que me lêem, se é que esperam algo, mas preferia que não o fizessem. Só não me peçam para escrever para lerem o livro, porque preferia não o fazer.
[i] Este texto não respeita o Novo Acordo Ortográfico, porque preferia não o fazer.