somos insusbituiveis

Somos (in)substituíveis

O fim das férias dos estudantes e professores coincide (não por acaso) com o fim do verão. O início do ano letivo calha (pela mesma razão) no início do outono.

Este é, para muitos, o momento ótimo para mudar os móveis de lugar ou começar a trabalhar na biblioteca, testar uma nova dieta alimentar, inscrever-se no ginásio, aprender outra língua ou melhorar o inglês. Se calhar, desapegar-se do inútil e alistar-se no voluntariado. Enfim, concretizar as diversas ideias que advêm de uma vontade urgente de experienciar mais, viver de modo diferente, ser feliz. “Se eu não o fizer, ninguém o fará por mim.” (A Ana é uma das minhas melhores amigas).

Se a reunião adiar a caminhada ao fim da tarde ou o reencontro com os amigos, o ânimo não definhará, porque “Um dia não são dias”. (Não liguei à Ana. A mensagem dela foi tão desalentada…)

 

Este trimestre tem sido impossível. Mas não há nada que se equipare ao Ano Novo e às novas resoluções. Aí é que vai ser! Não no dia um, porque ainda é festivo, mas a dois de janeiro vou ver nascer o Sol, “nem que chovam picaretas”. (Mensagem: “A Ana tentou suicidar-se.” — A minha Ana?!)

O miúdo ficou doente e não pode ir para a escola. Não faz mal. “Melhores dias virão” e esta virose não passará de sexta-feira. Espera. Na próxima semana também não dá. Vou para fora, por causa de uma conferência. Nem um furo para conhecer a cidade. (Não fui visitar a Ana ao hospital. Tenho de passar lá por casa…)

 

Vinte e um de março. Gosto desta data. Equinócio da primavera. Até o nome luz. Muda a hora, o tempo cresce — “Em março, tanto durmo como faço”. Felizmente, as bilheteiras dos cinemas e dos teatros oferecem horários para todas as disponibilidades. Não existe razão para não se ver aquele filme imperdível. Bem, caso não consiga, sempre se recorre a uma qualquer plataforma streaming, embora não seja a mesma coisa. E é provável que La Féria reponha o musical numa versão mais modesta, nem que seja só em Lisboa. (Alguém me disse que a Ana tinha piorado. Preciso de a ver…)

 

Daqui ao verão é um saltinho e, sabe-se que, vindas as férias, quem não as goza agora trabalha por si e por quem as tirou. Somos insubstituíveis. (Nem ao funeral da Ana pude ir…)

Ainda assim, subsiste a intenção de condensar nelas os múltiplos anseios: levar os putos à Disneyland, fazer arborismo pela primeira vez, começar a escrever um livro, visitar  familiares e amigos…

 

(Quem me dera que a Ana cá estivesse…)

 

…se o corpo e a mente não ficarem estirados à beira-mar ou no sofá a curar a culpa e a acumular energia para o novo ano letivo, que marcará, indubitavelmente, o(s) princípio(s) de uma nova existência. Nada nem ninguém impedirá que tal aconteça. Afinal, “a vida são dois dias”. (Ana, tenho tantas saudades tuas!)

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AUTOR(A)
amélia queiróz
Amélia Queiroz

Amélia Queiroz, nasce a 20 de maio de 1969, em Marco de Canaveses, passa por Vila do Conde, mas é no Porto que vive desde 1976. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses, pela Universidade do Porto, com Pós-Graduação em Intervenção Social e Mestrado em Intervenção Comunitária – Contextos de Risco, pela Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti. Faz uma incursão pela Alfabetização de Adultos, maioritariamente dos PALOP, lecionando Português como Língua Estrangeira desde 2005. Imerge em conversas, leitura e escrita, à procura do essencial da condição de se ser humano.

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