A paz está onde nos sentimos verdadeiros aos nossos olhos, mesmo que às vezes só aconteça quando traímos o que julgámos ser toda uma vida. Tara Westover cresceu a preparar-se para o Fim dos Tempos. Nunca havia posto os pés numa escola.
«Só tenho sete anos, mas percebo que é este facto, mais do que qualquer outro, que diferencia a minha família: nós não vamos à escola.»
Mais do que a pergunta «Como viver sem uma educação formal?», aquela que assola quem lê as memórias de Tara Westover é «Como viver, quando nascemos sem pai e mãe capazes de nos protegerem do mundo e deles próprios?»
A normalização da violência, acima de tudo aquela que vem dos seres que deveriam amar-nos incondicionalmente e proteger-nos de tudo, é a que constrói as pessoas mais quebradas, mais despedaçadas. Crescer e pensar que nunca seremos suficientes aos olhos de quem devia cuidar-nos com todo o coração é o que nos torna mais descrentes, que faz com que sejamos, muitas vezes, a pessoa com quem temos mais dificuldade em relacionar–nos.
«É reconfortante pensar que a falha é minha, pois isso significa que tenho controlo sobre ela.»
Nunca se vive, quando assim é. Sobrevive-se. Tomar conta da nossa vida parece, nestes casos, tão difícil e extenuante quanto criar toda uma nova vida, no desamparo de nos sabermos sós, sem sermos capazes de andar e tendo já de correr.
Nascida no Idaho dos anos oitenta, numa família Mórmon. Filha de pai que se opunha à educação formal e a demostrações de afeto, e de mãe parteira autodidata, Westover passou os seus dias, desde o nascimento à idade quase adulta, a laborar no ferro-velho do pai ou a cozinhar com a mãe. Não tinha certidão de nascimento nem historial médico. Registos de existência, algo que Tara só conquistou quando conseguiu o acesso à Educação.
Tinha dezassete anos quando entrou, pela primeira vez, numa sala de aulas, e percebeu, ali, naquele momento, que era aquilo que ambicionava. Estudar, pensar, ser.
Mais do que uma história de reinvenção, esta é uma história sobre o que é viver na luta constante pela paz. Pela paz com a família em que se nasce, as escolhas que se fazem, consigo mesma, na luta interna entre a identidade que se construiu nos primeiros anos, os anos basilares da existência, e o que se quer ser.