Vontade de ser diferente - Sílvia Bernardo

Vontade de ser diferente

Chamo-me Maria, tenho 35 anos, e desde a mais tenra idade procuro dar um rumo à vida.

Cedo, foi-me perguntado o que queria ser quando crescesse. Do pouco que me lembro, a imagem que visualizo facilmente é que a maioria das crianças queria ser polícia ou cabeleireira — talvez porque na altura era normal ter como modelo a seguir uma figura cativante do dia-a-dia do comum mortal. Do que me contam, sei que ainda pequenita dizia que queria ser mãe — como se mãe fosse a única coisa que realmente poderia ser um dia. Mais tarde, no jardim de infância, foi-me pedido que me desenhasse na profissão que queria para o futuro: desenhei-me enquanto professora.

Numa fase da vida a que a memória já chega sozinha, recordo-me que, sempre que uma pessoa presente na minha vida me fascinava num ou noutro aspeto, eu passava a ambicionar ser como essa pessoa. Houve um período em que queria ser arquiteta, como a minha amiga Alice, porque ela sabia que o queria ser, desenhava plantas de casas com lápis e canetas de cor e ensinou-me a fazer o mesmo. Quando penso nisso, não sei o que me fascinava mais, se a beleza das casas ou o facto de ela saber com tanto afinco o que queria ser um dia. Hoje, é uma arquiteta de sucesso. Depois, chegou a fase de adoração pela minha irmã — continuo a adorá-la, mas agora com olhos mais astutos. Queria ser e fazer tudo como ela: desde a forma de vestir à forma de estar; um ídolo. Entre o que fazer e não fazer, de modo passivo, aprendi muito ao admirá-la. É a influência mais importante na minha vida, agora enquanto pilar de suporte a cada passo e decisão tomada.

Noutro momento, por ocasião de concorrer à universidade, tive a oportunidade de escolher por mim e para mim, mas tinha a faceta de “eterna indecisa” — até para escolher um gelado tinha de me sentar à frente da placa e ponderar bem as opções; quando tomamos uma decisão abrimos uma porta e fechamos muitas outras e eu sempre me preocupei mais com as que se fecham. Não foi fácil. Acabei por optar por um curso que acreditava querer, para logo concluir que o fizera por influência do meu pai que queria uma “doutora” em casa e me falou nele. No entanto, a vida encarregou-se de me voltar a encarrilar no caminho certo — fui colocada apenas na segunda fase e segui com medo do futuro.

Os anos fluíram e surgiram vozes distintas que me despertaram para a realidade. “O que te torna interessante é não seres igual às outras.” “Esta menina sorri com os olhos.” “Tão cedo e com uma personalidade tão forte.” “Maquilhada perdes a tua essência.” “Os outros são os outros.” Emergiu em mim uma corrente de energia que trouxe novas vontades: que tal começar a focar-me no que gosto e quero para mim? Que tal ser eu? Percebi que os outros são muito bons nas nossas vidas, mas eu quero ser diferente. Não ser apenas mais uma ovelha do rebanho e, ao invés, ser o patinho feio, porque se diferencia dos restantes — tudo é uma questão de perspetiva. Já dizia Oscar Wilde “Most people are other people. Their thoughts are someone else’s opinions, their lives a mimicry, their passions a quotation”.

No meu grupo de amigos, éramos alguns rapazes e sete raparigas e, intrinsecamente, havia muitas chatices associadas. Comigo, viram negra vida, eu era a “aderente resistente”. Não gosto de fazer algo “porque toda a gente faz”. Por exemplo, beber café no espaço da moda, ou tirar fotos em determinados sítios e de determinadas maneiras, ou ouvir aquela música “porque é o que toda a gente faz, agora”. Ainda hoje, ofereço resistência em ceder ao que as massas seguem. Nasceu em mim a vontade de ser diferente e o inconformismo.

Contudo, esse desapego das vontades dos outros, trouxe um período de divagação pela vida. Continuei no mesmo sentido porque é o que se espera de nós, apesar de não sabermos onde queremos chegar. O que eu considerava tempo desperdiçado, levou-me ao sítio em que devia estar, no exato momento, para ter a epifania que me faltou a vida toda — foi tempo precioso. E agora?

Depois do longo caminho, continuar à espera de poder ser quem se quer ser deve considerar-se uma forma de tortura, ao passo que o saber finalmente é uma forma de magia. O mais irónico foi perceber que andei às voltas dentro de um percurso fechado e que afinal a resposta esteve sempre no início, em mim própria — mãe e professora. Se a vida não escreve piadas sozinha!

Ainda assim, continuo com vontade de ser diferente e, se o destino existe, acredito que terá escrito uma linha distinta para mim. Serei só eu ou temos todos esta vontade? Por mais únicos que queiramos ser, fomos sempre buscar uma entrelinha a outro, porém, em nós, ela tem um novo contexto e leva a outro significado. O importante é mantermo-nos fiéis a nós mesmos, adicionar à receita os pozinhos mágicos de confiança e avançar.

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AUTOR(A)
Sílvia Bernardo
Sílvia Bernardo

Sílvia Bernardo nasceu em Leiria, em 1996. É licenciada em Contabilidade e Gestão Pública pelo ISCAC e, atualmente, é aluna de Mestrado na mesma instituição.

Desde que tem memória, recorda-se de sentir necessidade de levar um livro (ou dois) como companhia para onde fosse. Após um período de estagnação da leitura, voltou a despertar, há uns anos, o «bichinho» adormecido do gosto pela mesma, não conseguindo passar muito tempo sem abrir um livro.

Sempre teve gosto pela língua portuguesa, por escrever e escrever bem. Recentemente, descobriu várias vertentes do processo de escrita, tendo realizado dois workshops na área da revisão de texto. Iniciou a sua experiência literária através desta crónica após integrar os programas Escrita e Livro em Ação por Analita Alves dos Santos.

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