Autor(a):

José Mendes

Aisha

Aisha

 

é uma menina que vive

numa aldeia varrida por tempestades,

mesmo sem rio ou mar.

 

As cabras dóceis pastam no tempo.

A linguagem da tristeza instalou-se.

Os sorrisos perderam o seu poder redentor.

Só há pedras fustigadas pelo vento.

 

Numa boneca com um braço perdido,

inventam-se mundos, criam-se enredos

onde brincam meninas de cabelos doirados  e um olhar feito de mar.

 

Num  livro, em que só os bonecos disseram presente,

as letras perderam a voz. Fugiram para outras longitudes

onde as casas

têm brinquedos a rodos,

luzes nas árvores,

 sobejos imensos de pão.

 

Os tapetes semeados na terra batida

 

enganam o frio escorrido de um céu

com milhões de pontinhos luminosos,

sorridentes nas noites sem luar.

 

Na escola, as janelas não têm vidros.

O vento entra para logo sair.

As portas não têm fechaduras.

 Entra quem quer, mesmo que não venha por bem.

Os bancos são invenções em blocos de barro.

Mãos pequeninas e frágeis moldaram-nos com a massa

feita de terra escura e a pouca água que sobeja.

Escassa é a chuva,

raramente cai do céu.

 Do breu da noite,

saem homens armados.

O barulho ensurdece.

Tubos metálicos expelem fogo,

queimam sonhos, 

destroem a casa, derrubam a escola.

Os bancos frios, inventados em blocos de barro,

ficam espalhados em aflita anarquia.

As montanhas escuras perdem o poder de abrigo.

 

Aisha, com outras meninas,

com outros meninos,

 foge dos homens armados,

 num barco cansado e velho,

com lapsos no seu navegar,

vai à procura de um país que ainda  tenha sonhos para perseguir.

Encontra-o,

longe,

onde o escuro é pincelado de mil cores,

 as plantas libertam cheiros de tomilho e alecrim.

as montanhas são de sol,

 a terra chega ao fim

 e vai cair inteirinha nos braços tranquilos e doces do mar.

Nota: por desejo do autor, este conto não segue o Acordo Ortográfico de 1990

aisha
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AUTOR(A)
José Mendes

José Mendes nasceu em V. N. de Famalicão. Vive, após reformar-se, em Vila do Conde. A sua formação é da área tecnológica. Passou por duas Escolas Industriais e pelo Instituto Industrial do Porto (hoje Instituto Superior de Engenharia) de onde foi arrancado antes de tempo, para ser actor no palco da guerra colonial. 

Desenvolveu a sua atividade profissional, de quase quarenta anos, na  Indústria Electrónica (área da Qualidade), só interrompida por uma curta passagem pelo ensino. Após conhecer e frequentar com entusiasmo o curso “Escrita em acção”, seguido do “Livro em acção”, publica o seu primeiro conto, na colectânea de contos “Que o caminho não nos fuja”. Participa regularmente na revista literária “Palavrar”. É membro do “Clube dos Writers Premium”, onde participa nas suas diversas actividades. Os “Retiros literários”, organizados por esta Comunidade, têm-lhe permitido colher novos ensinamentos e conhecer novas vozes que, como ele, vivem a escrita com gosto.

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