O escritor é pessoa dotada de sentidos que o ligam ao exterior: tacto, audição, paladar, cheiro e visão. Veículos que o transportam para o seio da realidade, a complexa trama do cozido à portuguesa, a textura, o sabor, o cheiro, o som da cozinha que alquimiza a matéria bruta, e o tinir dos talheres durante a refeição. E além da tangibilidade das cinco pontes que o ligam ao mundo, o escritor dispõe ainda do senso de si próprio, sensações, emoções, sentimentos e pensamento, formas físico-mentais de se perceber e intervir no mundo.
A imaginação não irrompe do nada, sabemo-lo, requer toda uma carga de estímulos que brotam da própria vida do escrevente. Mais rica a vida exterior ou a vida subjetiva do ficcionista, mais majestosa e plena é a escrita. O escritor escreve-se sempre a si mesmo na obra que concebe. Borges dizia que toda a ficção é autobiográfica e ninguém o pode negar. É através do que oiço e leio que adquiro o léxico e a sintaxe que irei utilizar nas narrativas que construo, é através do que vejo que imagino cenários e personagens, enredos e acontecimentos. Pelo que podemos concluir que a personagem primeira de todo o romance é o escritor que o concebe, porque é dele o sangue de vida que enche as letras, as frases, os parágrafos, todo o texto. Sem esta dação o romance é um conjunto de folhas brancas onde nada existe nem acontece.
Para os que desejam ser escritores, saibam que são a vossa disciplina, vontade e imaginação os pilares fundadores da escrita. Quem não se conhece e não se dá por inteiro à ficção, também não constrói com profundidade o romance. Em todo o bocadinho de escrita está presente o protagonista da história, o autor. Como pode ser isto aproveitado para entrar ou progredir no exigente mundo das letras? É simples… e difícil. O escritor deve garantir que está vivo, que se mantém vivo e que, estando com os sentidos do corpo e da alma apontados para o mundo, é capaz de o verter de forma acrescentada e pessoal para a folha.
A grandeza da escrita de Camões reside na espetacularidade da vida de Camões o escritor, que, com a carne, os olhos e o pensamento, viveu o seu tempo em plenitude. O mesmo de Eça, Pessoa, Agustina ou Saramago. O mesmo ainda Brontë, Zola, Amado ou Tolstoy. Quem, estando morto, pode criar vida?
A lição a retirar é Vive Para Escreveres, na dupla aceção: primeiro, goza e usufrui a vida, não de forma passiva e dormente, mas com sentidos e mente despertos; e, segundo, aplica grande parte da energia existencial no ofício de escritor, sendo a escrita outra vida. Alcançada a consciência da importância de estar desperto, o escritor-protagonista saberá construir personagens credíveis e enredos convincentes, num estilo de contar próprio, fruto da natureza íntima e irrepetível daa vida individual. Todo o escritor é um ser único.


