A mãe pusera-lhe o nome de Eduardo, como o avô. Na escola, todos lhe chamavam Betboy. Do avô herdara as sardas e o cabelo ruivo encaracolado, que lhe dava um certo ar matreiro, mas a obsessão que tinha em fazer apostas, essa não se sabe de onde vinha.
Eduardo adorava competir em tudo, fossem jogos de tabuleiro, corridas com os amigos, ou notas nos testes da escola. Gostava de desafiar quem podia e fazer apostas, e ambicionava ser o primeiro em tudo. Por isso, passaram a chamar-lhe Betboy. Mesmo assim, não deixava de ser popular e havia sempre quem tivesse a esperança de o vencer. Hugo era o seu melhor amigo. Frequentavam juntos o quinto ano do ensino básico.
Todos os anos se realizava o Dia de Desporto no distrito escolar a que pertenciam. Competiam em diversas modalidades e ninguém ficava de fora. Não faltava quem estivesse ansioso por mostrar as suas habilidades. Eduardo e Hugo iriam participar na corrida de corta-mato de 3 km, com colegas da sua e de outras escolas. Todos receberiam certificados, fosse qual fosse o resultado, no entanto, Eduardo, mal viu a mesa com os prémios alinhados — troféus e medalhas — não pode deixar de comentar:
— Deram-me o número 3, mas aposto que vou chegar primeiro. Que achas, Hugo?
— Não consegues só divertir-te, Betboy? Deixa as apostas! Nem sempre podemos ser os primeiros.
— Queres apostar que já cá canta mais uma vitória, Hugo? Aquele troféu está mesmo a olhar para mim e não é de mais ninguém.
Uma coisa Hugo sabia: apesar de ser mais baixo e menos encorpado, também conseguia ser rápido a correr. Aceitou o desafio.
- Aposta o que quiseres!
- Se eu não ganhar, nunca mais vou apostar nada! — disse o Eduardo.
- Boa! Vamos a isso.
Estavam todos prontos para a largada em massa. O professor responsável levou o apito à boca, deu o sinal de partida e a corrida começou.
Daí a pouco começaram os gritos de encorajamento dos familiares, amigos e treinadores que torciam pelos participantes. Estes avançavam em passadas largas e rápidas.
Pela frente tinham um percurso com algumas subidas, descidas e obstáculos naturais: um pequeno riacho e troncos de árvores caídos por aqui e por ali, já que parte se realizava numa floresta. Também teriam de passar por terrenos com lama, pois chovera bastante no dia anterior. Estavam todos bem preparados e, para além disso, havia voluntários espalhados por diversos pontos, prestes a socorrer alguém que se visse em dificuldade.
Os corredores seguiam determinados. Mais adiante, viram uma bandeirola vermelha. Tudo a virar à esquerda. Avistaram uma barreira de lama. Na floresta ressoava a batida dos passos pesados, e os respingos das poças de água da chuva deixavam marcas nas roupas e nos corpos dos corredores. Alguns por pouco que não afundavam os sapatos na lama. Splash, splash, spalsh, era o que mais se ouvia.
Nessa altura, houve quem começasse a ficar para trás. Eduardo e Hugo corriam quase a par. Hugo ia escorregando, mas aguentou-se. Eduardo passou-lhe à frente. Daí a pouco, Hugo conseguiu apanhá-lo. Alguns minutos depois, avistaram uma bandeirola amarela. Tinham de virar à direita. Continuaram sempre em frente, orientados por várias bandeirolas azuis. Hugo sentia-se confiante e acelerou o passo. As multidões tinham ficado para trás e ouviam-se apenas alguns chapins no meio dos pinheiros. Sentiu o coração a martelar. Respirou fundo, tentando sentir o aroma dos pinheiros e o cheiro da terra húmida. Continuou a avançar.
Por momentos, Eduardo deixou de estar em primeiro lugar. Nisto, viu cair um colega que corria perto dele, o Pedro. Fechou os olhos com força, para fingir que não o via. “Alguém há de ajudá-lo”, pensou “Se não me despachar, perco a aposta”. Acelerou o passo. De seguida, era preciso saltar uns troncos e depois umas poças de água. Escorregou, ficou todo sujo e molhado, mas levantou-se rapidamente e alcançou Hugo, que já seguia mais adiante. Outra bandeirola vermelha indicava o caminho à esquerda. Estavam os dois sozinhos à frente. O resto do grupo vinha a uma distância maior.
Para ter a certeza de que ninguém o poderia ultrapassar, Eduardo virou-se para trás e não reparou numa poça de lama. Catrapus, caiu. Ao tentar levantar-se, sentiu uma dor enorme no pé direito. Gritou. Tinha a certeza de que o torcera e não via ninguém por perto para o ajudar, pois estava numa zona de arvoredo mais intenso, que bloqueava a visão dos voluntários. Em vão, tentou de novo erguer-se.
Hugo, já ia adiante, quando ouviu o grito. Olhou para trás e percebeu o que se passara. Seria a sua grande oportunidade de chegar à meta em primeiro lugar. Ainda correu alguns metros, mas…
— Não, Hugo, não venhas, segue em frente — gritou Eduardo, que começara a andar ao pé-coxinho, apoiado num ramo de árvore que encontrara por perto. — Desta vez serás tu o vencedor.
— Não te preocupes, eu prefiro não o ser. Nem sempre se ganha, nem sempre se perde. Vais ver que conseguimos — respondeu Hugo, dando-lhe o braço.
— Conseguimos? Que queres dizer?
Em breve passaram por eles alguns corredores. Ouviram-se risadas e comentários. Eduardo caminhava amparando-se a Hugo. Entretanto, Pedro, alcançando-os, agarrou no outro braço de Eduardo. Este sentiu-se aliviado por o ver bem, mas envergonhado pela forma como se tinha comportado com ele.
Passava bastante da hora prevista para todos finalizarem o corta-mato. Já se sabia do sucedido, pelo que a chegada dos três corredores era aguardada com ansiedade. Os gritos de encorajamento da multidão soavam cada vez mais perto. Negaram qualquer ajuda, confiantes de que, juntos, iriam conseguir terminar a prova. Cansados como estavam, mal viram o funil de chegada sentiram um grande alívio. Foram os últimos a passar a meta, os três abraçados, entre muitos aplausos e vivas. Finalmente, podiam descansar e respirar fundo.
Quando perguntaram a Hugo por que razão não deixara Eduardo para trás, já que alguém o iria socorrer e podia ter vencido, ele simplesmente respondeu:
— E como é que eu me iria sentir com uma vitória dessas? Não podia deixar o meu amigo assim. Que pensaria a minha mãe?
Depois, voltando-se para Eduardo, com um grande sorriso, disse:
— Acabaram-se as apostas, amigo.
Eduardo, acenou com a cabeça e deu-lhe um grande abraço. Era o fim da sua era de Betboy, mas percebera que a amizade é bem mais valiosa.


