— Que segredos esconde esse jardim, mamã?
— Amanhã descobrirás o final da história. Agora está na hora de ires dormir.
Helena acariciou o cabelo de Afonso e beijou-lhe a testa.
— Obrigado, mamã.
Desceu as escadas e instalou-se no sofá da sala com uma chávena de chá de camomila na mão. Pegou no telemóvel e verificou que tinha recebido uma mensagem.
— Tenho saudades tuas. Quero ver-te amanhã.
Acenou a cabeça:
— És mesmo néscio! Deves pensar que és o maior do mundo. Atirou o aparelho contra as almofadas. Perguntou a si mesma: “Que vida é a minha?”
Em plena época natalícia, Álvaro estava, mais uma vez, de plantão no hospital.
Helena era designer, mas tinha deixado de trabalhar quando casara há dez anos. O salário do marido permitia-lhes ter uma vida com várias regalias: uma grande casa, dois carros topo de gama, muitas joias e o filho num colégio de elite.
Todos os anos, a família ia passar férias para o estrangeiro.
Nos jantares de Natal do hospital, onde o marido exercia a sua profissão, as esposas de outros médicos criticavam a sua arrogância, mas no fundo, invejavam-lhe o requinte da silhueta e dos gestos.
Helena vagueava nestes pensamentos, quando a empregada entrou na sala. Avisou-a, de imediato, que iria sair.
Para o encontro, Helena foi à cave buscar a caixa de veludo onde guardava uma lingerie preta, uns sapatos de salto agulha, uma máscara e um chicote.
Ao escolher um colar no porta-joias, acabou por pegar na carta da mãe que guardava no fundo falso. Releu, mais uma vez as palavras que tanto a faziam pensar: “Filha, não cometas o erro que cometi. Não valorizei o amor do teu pai e procurei prazer nos braços de outro homem. Acabei arrastada pelas escadas”
Helena tinha quinze anos e recordava-se bem desse dia. O pai tinha encontrado a mãe com um amante. Ela entrou em depressão e mais tarde embateu o carro contra um muro.
Durante anos, Helena pensava no motivo pelo qual a mãe tinha traído o pai. Este era um homem dedicado à família e nada indicava que ela se sentisse insatisfeita com o casamento. Será que se sentia reprimida sexualmente no casamento, tal como ela?
Helena abandonou as suas inquietações e guardou a carta. Encaixou os seios robustos no soutien de renda, borrifou-se com algumas gotas de perfume no colo e pescoço, vestiu um longo vestido preto, colocou uns óculos escuros e por fim vestiu um sobretudo negro.
Seguiu de carro para a alameda da cidade.
Carlos estava no carro azul estacionado junto à fonte. Helena fez-lhe sinal de luzes.
Chegaram em poucos minutos ao motel que ele tinha reservado.
No quarto, estava tudo como tinha sido pedido: velas acesas, uma garrafa de vinho, uma cesta com frutas vermelha. Helena, deixou cair o sobretudo, despiu o vestido preto e ficou apenas de lingerie, exibindo o corpo torneado de pele clara e o olhar penetrante. Atirou o homem para a cama e começou a tirar-lhe a roupa. A seguir, colocou a máscara, mordeu os lábios, soltou a cabeleira ruiva e dançou sensualmente. As longas unhas vermelhas arranhavam o peito hirsuto do indivíduo. Helena puxou-lhe os cabelos. Carlos sentia-se extasiado pela atração que aquela mulher exercia nele e pedia-lhe que continuasse. Ela sorriu, amarrou os pulsos e as pernas dele e foi buscar o chicote. Saltou para cima da cama, açoitou-lhe as costas e foi aumentando a intensidade ao ponto de o homem lhe pedir que parasse. Ela recusou. Carlos desatou a chorar, dizendo que estava a magoá-lo. Aborrecida, Helena, pegou nas suas coisas, dirigiu-se ao estacionamento do hotel, mudou de roupa no carro e apagou o contacto dele.
Ao regressar a casa, guardou rapidamente as coisas e foi tomar banho. A água que deslizava nas suas curvas tentava limpar o cheiro rançoso do homem com quem se tinha encontrado. Como se atrevia ele a negar as suas exigências? No espelho embaciado, olhou o reflexo e sentiu-se sufocar na solidão. De que lhe adiantava a vida abastada que o marido lhe proporcionava, se passava a maior parte do tempo a trabalhar? Além disso, sexualmente, deixava-a insatisfeita. Antes de ir para a cama, Helena foi buscar uma garrafa de champanhe francês ao bar da sala e dirigiu-se para a cozinha, onde petiscou algumas bolachas salgadas. Sentiu que alguém a fitava da janela. Era apenas o seu gato persa. Descobria a maioria dos homens com quem se envolvia em sites de encontros. O que a distinguia de uma prostituta? Colocava essa questão várias vezes, mas as respostas que encontrava eram sempre as mesmas: a fuga da solidão e o prazer imediato.
Os meses passavam e os encontros clandestinos continuavam.
No final do verão, Helena teve alguns sintomas que não eram habituais: cansaço extremo, dores de cabeça, picos de febre e muita perda de peso. O marido aconselhou-a a fazer uns exames de rotina. Contrariada, decidiu marcar uma consulta médica e acabou por ter de confessar que nos últimos tempos andava a ter uma vida desregrada. O médico não hesitou em pedir uma panóplia de exames com urgência. No fim da consulta, ficou assustada com os pensamentos que se cruzavam na sua cabeça:
“E se eu tiver contraído alguma doença sexualmente transmissível? Como será a minha vida como seropositiva? Como poderei alertar os homens com quem estive? O meu marido vai querer divorciar-se e levar o meu filho para longe de mim. Os meus familiares vão julgar-me, como fizeram com a minha mãe.”
Começou a chorar compulsivamente. Não conseguia acreditar no que lhe estava a acontecer. Tudo poderia mudar de um dia para o outro. Helena fez todos as análises e exames solicitados.
Em menos de uma semana, uma funcionária do laboratório telefonou-lhe a dizer que os resultados já estavam prontos. Na casa de banho do laboratório, abriu o envelope com as mãos trémulas e os olhos lacrimosos. Ao ler os resultados, respirou de alívio. Estava decidida a mudar a sua história.


