Escrever é uma arte que atrai muitos, mas consagra poucos. A razão principal pela qual tantos autores amadores não alcançam o estatuto de profissionais não está na falta de habilidade gramatical, de um vocabulário vasto ou mesmo de criatividade. O verdadeiro obstáculo é a incapacidade de transmitir uma mensagem nas entrelinhas, de criar um subtexto que ressoe profundamente com o leitor. Na minha experiência de agora cinco décadas no mundo literário, raramente encontrei quem soubesse ensinar este aspecto fundamental. Muitos conseguem analisar textos; poucos sabem criar. E ainda menos conseguem ensinar a criar.
A diferença entre um autor profissional e um amador é comparável à que existe entre um músico e um virtuoso. O músico toca as notas; o virtuoso transcende a técnica e toca as emoções do público. No universo literário, essa diferença reside na capacidade de trabalhar o subtexto e aquilo que chamo de “moral sonora” — a fusão entre a mensagem ética e a musicalidade do texto.
Mas porque isto é tão desafiante? Porque, além de ser um conceito intrinsecamente complexo, não existe uma estrutura clara de ensino para desenvolvê-lo. O sistema educacional tende a priorizar o conteúdo explícito: gramática, sintaxe, estrutura. Contudo, pouco ou nada se explora sobre o impacto sensorial de um texto, sobre como os sons e os ritmos podem intensificar emoções e significados.
Aqui fica um convite à reflexão: está apenas a preencher páginas com palavras ou está a criar uma experiência sensorial para o seu leitor? Esta é a pergunta que separa o amador do profissional.
Antes, no entanto, de abordarmos como criar a “moral sonora”, é essencial compreender o conceito. “Moral”, neste contexto, não se limita a uma lição ética ou filosófica. Refere-se à mensagem subjacente — a essência emocional ou reflexiva que pretende transmitir. O termo “sonora”, por sua vez, remete à musicalidade do texto: o ritmo, a cadência, a melodia das palavras e das frases. Juntos, esses elementos criam uma experiência literária que transcende o conteúdo explícito, envolvendo o leitor de forma profunda e intuitiva.
Porquê “sonora”? Porque as palavras não são apenas sinais visuais; elas têm um impacto auditivo, mesmo quando lidas em silêncio. Um texto bem construído é como uma música que reverbera no coração do leitor, criando uma ressonância emocional que vai além do significado literal.
Considere a diferença entre estas duas frases:
- “O vento soprou forte naquela noite.”
- “Naquela noite, o vento uivava, carregando segredos pelas frestas das janelas.”
Numa rápida análise: A repetição do som “v” em vento e uivava reforça a ideia de algo fluido e etéreo, semelhante ao vento que sopra. A repetição do som “s” em segredos, frestas, das e janelas cria uma sonoridade sibilante, associada ao vento e ao mistério. Já o ritmo sonoro alterna entre frases curtas e palavras mais longas, criando uma sensação de movimento semelhante ao próprio vento. Há uma fluidez proporcionada pela variação entre vogais abertas e fechadas: Naquéla nóite (aberto e melódico, introduzindo a cena; …o vênto uiváva* (sons repetitivos e ondulantes, como o vento que uiva); …carregándo segrêdos (mais grave e denso, carregado de significados); …pe**lás frêstas das janélas* (sons suaves, fechando a frase com uma cadência lenta e contemplativa).
Ambas transmitem a ideia de um vento intenso, mas a segunda acrescenta uma sonoridade que amplifica a experiência. O “uivar” do vento carrega consigo uma carga emocional e sensorial que transforma a cena. E essa é a essência do que chamamos de moral sonora: usar o som e o ritmo das palavras para reforçar a mensagem subjacente, criando um texto que ressoe com profundidade, mas que, para tal, requer prática, intenção e a coragem de ir além do óbvio. É isso que transforma palavras numa verdadeira obra literária.
Nos seus textos, o ritmo está em sintonia com a emoção que deseja transmitir? Existem pausas naturais, uma fluidez que convida o leitor a sentir e não apenas a compreender? Este é o ponto de partida para dominar a técnica e começar a transformar a escrita.
Lançar um romance é um objetivo louvável, mas inúmeros escritores iniciantes incorrem no equívoco de pensar que apenas redigir um texto basta. Ainda mais preocupante, existem editores que aprovam esses trabalhos ou consultores que os incentivam sem perceberem a relevância essencial do subtexto e da harmonia sonora. Essa falta de discernimento é a razão de tantos títulos fracassarem, seja por não envolverem os leitores, seja por não atingirem êxito no mercado. Produzir uma obra impactante requer mais do que habilidade técnica; exige profundidade, propósito e uma ligação emocional que reverbere no público.
Assim como uma melodia é capaz de evocar emoções sem palavras, a sonoridade literária carrega consigo um tom moral ou emocional que ultrapassa o simples significado das frases. Este conceito distingue, repito, o amador do profissional. Saber criar essa conexão é o verdadeiro desafio.
Este é um assunto complexo? Com certeza! A realidade é clara: o amadorismo, frequentemente romantizado, é alvo de desprezo nos bastidores editoriais e jamais conduzirá a uma carreira sólida. Seja honesto consigo mesmo, comprometa-se com o trabalho árduo e crie algo que ressoe de verdade. O mundo precisa de histórias que não apenas preencham páginas, mas que toquem e transformem os seus leitores.
James McSill / Instagram: @jamesmcsill