Autor(a):

João Ventura
João Ventura

Walter Benjamin nunca chegou à Palestina

 Em Histoire d’une amitié, Gershom Scholem, filósofo e historiador judeu-alemão, recorda as fases e os lugares da sua amizade com Walter Benjamin: Berlim do tempo de guerra e do pós-guerra, a Suíça e Paris de 1927 e 1938.

Apoiado nas cartas que trocaram, fala da crítica de Benjamin ao sionismo racista emergente e ao comunismo e constata uma tripla recusa: desiludido com Moscovo durante a sua estada na capital soviética, expulso da Alemanha pelos nazis em 1933, e declinando os convites de Scholem para ir para Jerusalém, Paris, a cidade que havia de inspirar o seu Projecto das Passagens (Das Passagen-Werk), foi para Benjamin um lugar de solidão e angústia antes do seu suicídio, na pequena localidade de Portbou, na fronteira espanhola, em outubro de 1940.

Leio sobre as indecisões de Benjamin relativamente à possibilidade de ir para a Palestina e ocorre-me a pergunta: que teria dito Walter Benjamin sobre a ocupação israelita da Palestina, se tivesse aceitado os reiterados convites do seu amigo Scholem, que para lá fora em 1925, e se, como todos aqueles intelectuais judeus emigrados, por lá ficasse?

Mas, apesar da rápida deterioração da situação dos judeus europeus na década de 1930, Benjamin nunca abandonou a ambivalência que o impedia de tomar essa decisão, que frequentemente se lhe apresentava. As razões dessa ambivalência não são claras, embora a sua crítica ao sionismo pelo seu racismo tenha sido precoce e presciente. Não me custa acreditar que Benjamin, aplicando o seu método de interpretar a história do ponto de vista dos vencidos, haveria de reconhecer na ocupação violenta da Palestina aquele “estado de exceção que, numa das teses seu ensaio Sobre o conceito da história (redigido em 1940, um pouco antes do seu suicídio, em Portbou, cuja cópia entregou a Hannah Arendt, em Marselha, salvando-se assim o livro do seu desaparecimento), afirmou ser o estado permanente dos oprimidos, prefigurando a revolta e a sublevação, que, no caso palestiniano, se manifestou pela primeira Intifada.

Não chegou nunca Benjamin à Palestina e, desde essa recusa para lá partir, tudo piorou, erguendo-se agora o muro de ódio que serpenteia naquela terra sem Deus sob um céu de fogo. E se lá estivesse agora, como escreve a Maria Cantinho no seu actualíssimo ensaio Cosmopolitismo e rêverie, publicado pela The Poets and Dragons Society, “o seu olhar afundar-se-ia no espectáculo da história enquanto catástrofe permanente, tal como o aterrorizado anjo da história, o “Angelus Novus”. E, horrorizado, haveria de ver os corpos das crianças mortas jazendo sobre um amontoado de escombros, sem nada poder fazer para as salvar da catástrofe da história.

 

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João Ventura
João Ventura

Fui durante largos anos professor de língua e literatura portuguesas, e durante três anos, de cultura portuguesa na Sorbonne, em Paris. Também lecionei na Universidade do Algarve cadeiras de gestão cultural e exerci o cargo de Diretor Regional de Cultura do Algarve. Fui bibliotecário. E fui diretor do TEMPO.

Como professor, bibliotecário ou gestor e programador cultural, a crónica da minha trajetória profissional tem duas marcas que a definem: a opção pelo sector público e pela criatividade. Por isso, a minha formação e aprendizagem nunca a dou por concluída, seja regressando uma e outra vez aos bancos da universidade seja através da leitura e das viagens que são outras duas marcas da crónica da minha aventura pessoal.

Gosto de ler, escrever e viajar. E estas três atividades furtivas ligam-se entre si. Umas vezes, leio e viajo para escrever. Outras vezes, leio e escrevo para viajar em seguida aos lugares que antecipei em crónicas de viagem inventadas. Destas deambulações, umas vezes literárias, outras geográficas, fui deixando rastos no papel. Na revista Atlântica, cujo projeto editorial criei e da qual fui diretor, e nos blogues O que cai dos dias, O leitor sem qualidades e, agora no blogue nómada Fora daqui.

Gosto de me ver como um criador de projetos culturais, alguém que faz acontecer ideias seja na vida profissional seja na vida privada. Atualmente, trabalho na Biblioteca Municipal de Portimão, desenvolvendo ideias e projetos de divulgação do livro e da leitura. E tenho em mãos, a escrita de um livro de crónicas de viagens literárias. Também gosto de cozinhar.

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