Jornalismo. A didascália do lead: O quê? Quem? Quando? Onde? Como? Porquê? O que aconteceu? Quem esteve envolvido e com que papel? Onde se deu o acontecimento? Qual foi a sucessão de eventos? Porque sucedeu o ocorrido? Mais alguma informação complementar que possa ajudar à perceção correta do relatado.
O jornalismo é representação da sociedade, que convoca o pensamento iluminista e positivista, para assegurar maior grau de objetividade e verdade no fornecimento da notícia, seja curta e quotidiana ou de reportagem e profunda. A notícia, tal como a experiência científica, busca o conhecimento exato, mune-se de provas, registos, documentos e materializações demonstrativas. Nada disto é do mundo da ficção, porque a narrativa do romance só fugazmente se sujeita a estes parâmetros de objetividade e verdade. A realidade não é uma componente obrigatória da escrita enquanto arte, às vezes, pelo contrário, pode tolher e reduzir todo o sistema. Observamos esse processo no neorrealismo, onde a pretensão da realidade se mescla numa ideologia política que acaba por aparar as complexidades humanas e reduzi-las à dualidade conveniente. Felizmente, assoma o realismo mágico, regenerador, capaz de introduzir sangue quente nos corpos rígidos das personagens e estruturas narrativas. A ficção é também fricção. O girar dos corpos de formas enérgicas e distintas pode produzir aquela faísca que ilumina os olhos do leitor, em vez do aborrecimento do documentário disfarçado de arte.
O processo de escrita ficcional também se pode munir de apetrechos de ligação à realidade, seja no romance histórico, biográfico ou contemporâneo, contudo não é servo do método crítico nem da busca pela verdade. No mais, talvez a grande literatura seja mais o abrir de portas e janelas do que o fechar fenómenos em caixas catalogadas. Dan Brown não tem de provar por fontes históricas que Jesus tomou Maria Madalena para sua esposa e fez dela cálice de património genético. O escritor apenas acena com documentos apócrifos e algumas teorias antigas, não para comprovar, mas apenas para tornar a narrativa literária verosímil. O método do escritor é essencialmente este, alicerçar a história numa sólida verosimilhança, ou seja, semelhança com a verdade. Assemelhar-se à realidade e dialogar com ela é a maestria de escritores, que empreendem de forma subtil o equilíbrio tensional entre facto e imaginário.
Desejar enriquecer o romance com regras do jornalismo e do documental é desejável e profícuo, mas inverter o processo não traz alma para dentro da ficção. A produção de documento, seja sociológico seja autobiográfico é contranatura no meio literário, apesar de haver momentos em que parece estar mais na moda, como na segunda década do século XXI, este que ocupamos. Porquê contranatural? Não há motivos filosóficos superiores para escudar o argumento, há apenas a sensação, como escritor e leitor, de que as páginas romanescas são, primeiro, um espaço de liberdade artística e, depois, o templo sagrado da criação imaginária. O escritor não reproduz, pelo contrário, ele cria, acrescenta realidade à realidade.