Rever um texto é, ao mesmo tempo, um trabalho de paciência e um exercício de atenção e rigor. Não se trata apenas de corrigir erros gramaticais ou de ortografia, embora isso seja crucial. Rever é, sobretudo, a arte de equilibrar forma e conteúdo, clareza e estilo, precisão e fluidez. Cada texto, do mais simples bilhete ao mais elaborado ensaio académico, carrega uma intenção, e o papel do revisor é garantir que essa intenção seja preservada, conduzindo o leitor pela mensagem com fluidez e transparência.
Contudo, no mundo atual, onde a inteligência artificial (IA) se tornou uma ferramenta omnipresente, a tarefa de revisão ganhou novas dimensões. Já não se trata apenas de corrigir o que está errado ou de polir frases que soam desajustadas. A revisão tornou-se também uma interação entre o humano e a máquina, um processo colaborativo que reflete tanto as possibilidades quanto os limites da tecnologia.
Ferramentas de IA oferecem promessas sedutoras: agilidade, precisão e sugestões estilísticas em apenas alguns cliques. Identificam-se redundâncias, propõem-se alternativas e até ajustes ao tom de um texto. Mas será que basta? A IA opera sobre regras e padrões, mas carece de contexto. Um texto “corrigido” pela máquina pode parecer tecnicamente perfeito, mas muitas vezes perde a sensibilidade que só um revisor humano pode garantir. A clareza para a máquina nem sempre é a mesma que para o leitor.
Há quem veja na IA uma ameaça ao trabalho de revisão, mas o olhar mais produtivo é encará-la como uma aliada. As máquinas são já extremamente eficientes na deteção de erros sistemáticos e na análise de grandes volumes de texto. Pode poupar horas de trabalho, permitindo que o revisor humano se concentre em aspetos mais complexos, como a coerência, a intencionalidade do autor e a adequação ao público-alvo. Cabe ao revisor interpretar as sugestões da IA, rejeitando aquilo que contraria a essência do texto ou que ignora determinadas subtilezas. O revisor é quem entra na mente do autor, compreende as intenções por trás de cada escolha lexical e decide quando manter uma expressão que a IA julga desnecessária. O revisor continuará a agir tal qual um bom afinador de piano: identifica dissonâncias, ajusta tons, mas nunca altera a melodia que o autor quis compor. Sendo a língua traiçoeira, o revisor opera, trazendo luz a certas passagens. Um “porém” mal colocado pode distorcer todo o argumento; um “que” repetido em excesso pode prejudicar a leitura. Além disso, existe o momento em que a confiança é testada. Quantas vezes o revisor hesita entre duas formas igualmente corretas? O dicionário não responde a tudo. A gramática, por vezes, não é mais do que um campo de batalha entre tradição e uso. E, no fim, a decisão recai sobre a sensibilidade: o que serve melhor ao contexto?
Mas a IA também ensina. Ao propor soluções, desafia o revisor a pensar de forma crítica. Por que razão uma construção é mais eficaz do que outra? O que faz uma frase soar natural? No diálogo entre o humano e a máquina, o processo de revisão ganha novas camadas de reflexão. Existem escolhas – conscientes, ponderadas, às vezes ousadas.
Rever um texto em tempos de IA não é, afinal, um simples ato técnico. É um exercício de colaboração (há que aceitá-la), em que a máquina traz eficiência; e o humano, alma. É a prova de que, mesmo na era da IA, o papel do revisor continua essencial.


