Autor(a):

Ana Paula Campos

Dona escuridão, de Isa Silva

Longe vão os tempos em que a Literatura para a Infância era ignorada ou considerada uma espécie de literatura menor. Nos últimos anos, como expressão desse fenómeno cultural, a par de um inusitado interesse editorial, assiste-se no meio académico a uma acesa discussão sobre a natureza e lugar da Literatura para a Infância, no conjunto dos géneros literários. Em termos meramente quantitativos, veja-se o aumento do volume das edições, principalmente a partir dos anos 70 do séc. xx. Este género alcançou lugar de destaque nas livrarias, bibliotecas e editoras.

Recordemos que a Literatura para a Infância atingiu um maior crescimento no séc. xviii, fora de Portugal, mas no nosso país só teve verdadeira expressão a partir dos meados do séc. xix, com o aproveitamento da literatura de adultos para as crianças, com as fábulas, contos tradicionais ou até mesmo por intermédio de exemplos da História.

Nas últimas décadas do séc. xx, precisamente no período decorrente entre os finais dos anos 70 e os princípios de 90, a literatura infantojuvenil conhece maior evolução em Portugal. Renovam-se numerosas bibliotecas escolares; cria-se a disciplina de Literatura para a Infância, nos cursos de formação inicial de educadores de infância e de professores do ensino básico, nas escolas do magistério primário e, mais tarde, nas escolas superiores de educação; divulgam-se exposições, seminários, colóquios e ações de formação no âmbito dessa área da literatura; surgem publicações sobre o assunto; revistas manifestam-se sobre crítica literária e surge um conjunto de trabalhos de investigação, realizados no âmbito de mestrados.

A classificação etária dos livros é subjetiva e limitadora. Há obras que transcendem faixas etárias, como O principezinho, de Saint-Exupéry.

Dona Escuridão, de Isa Silva, é um destes exemplos. Um livro para ser lido por crianças e provocar reflexões profundas nos adultos.

Nascido de uma perda e do grande sofrimento consequente, Dona Escuridão mostra que até dos momentos mais sombrios pode surgir algo bom. Este belíssimo objeto físico é disso prova. A autora, uma mulher das belas-artes-letras, oferece-nos um livro de qualidade excecional no respeitante à sua robustez, ao tipo de papel, à disposição gráfica das palavras — semeado de códigos semióticos facilmente aprendidos por crianças e adultos —, mas, sobretudo, às imagens. Como representar a escuridão visualmente? Isa Silva fá-lo com mestria. Como passar a mensagem da importância da escuridão? A autora não desdenha a noite, a melancolia, o breu, a sombra, o negrume, o abatimento, mas completa-as com fontes de beleza e luz: as estrelas, os pirilampos, o fogo-de-artifício, o néon…

«Diziam que habitava a nossa cabeça e a deixava sem vontades.»

Profissionalismo e sensibilidade. O binómio que torna este livro numa experiência de absoluto deleite literário.

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AUTOR(A)
Ana Paula Campos

Paula Campos nasceu do Mondego, com os pés em Coimbra e os sonhos pelo mundo.

A escolha da área de formação e da profissão (professora de Português) foi consequência previsível de alguém apaixonado pelas palavras desde que teve consciência de si.

Os livros fizeram parte da sua vida, mesmo antes de saber ler. Estavam por todo o lado e eram folheados com respeito e admiração. Depois do espanto de aprender a juntar palavras, passaram a ser, literalmente, companheiros de todas as horas. Quando já não lhe chegavam os que habitavam a casa, tornou-se visita habitual da maravilhosa Biblioteca Municipal de Coimbra, à data a funcionar no antigo Convento de Santa Cruz.

A escrita seguiu o caminho da leitura, desde cedo, embora só há poucos anos tenha ganhado coragem para a divulgar.

Participou, ativamente, em tertúlias de poesia, em Penacova.

Publicou, regularmente, no jornal “O Ponney”, durante cinco anos.

Organizou atividades literárias na Biblioteca Municipal de Coimbra e na Feira do Livro de Coimbra.

Tem contos e textos em prosa poética publicados em três coletâneas e numa revista brasileira.

Desde 2020 que dinamiza um clube de leitura e um grupo de escrita criativa.

E os sonhos sempre na leitura e na escrita.

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