Autor(a):

Ana Candeias

As mamas são de quem as tem

Maria estava no café, numa breve saída de casa, para espairecer um pouco. Percebeu que o bebé de quatro meses estaria com fome. Ajeitou-o ao colo e começou a amamentá-lo. Num repente, foi abordada por alguém que rosnou o que bem entendeu por vê-la a amamentar naquele espaço, com pessoas ao redor. Entre outros brindes, disse-lhe que era uma desenvergonhada. Assim veio, assim foi, Maria ouviu, calou, baixou os olhos e continuou a alimentar o seu bebé, com a diferença de que antes o fazia em enlevo, depois numa junção de receio, raiva e vergonha.

Foi isto que a Maria me confidenciou.

Afinal, o que está e/ou quem está errado nesta situação?

O que sente e pensa cada um de vós, perante este relato?

Amamentar em público é ato pecaminoso? Provocador? Despudorado?

Criticar quem amamenta em público é expressão de defesa do recato? Ou de pudismo hipócrita? Ou de clara idiotice?

Pessoalmente, sinto irritação. E penso que seria muito escusado haver situações destas: mulheres, mães, injuriadas, por mulheres ou homens, por estarem a amamentar em público, sendo o risco de isto acontecer proporcional à idade da criança.

O caso de Maria não é o único no nosso país. Há mais notícias do género, revelando situações mais comedidas, outras mais violentas, desde olhares recriminadores, comentários negativos, palavras grosseiras, até arremetidas físicas. Em suma, ameaças ao bem-estar das mães e dos bebés.

Ponto número um: as mamas (femininas) servem para amamentar.

Ponto número dois: as crianças têm o direito a receber a melhor alimentação. E no seu início de vida, enquanto bebés, a melhor alimentação é comprovadamente o leite materno que, já se sabe, sai das mamas das respetivas mães.

Ponto número três: amamentar é um ato normal e natural.

Amamenta quem quer e consegue. Onde? Onde quer que seja. A fome de um bebé não escolhe lugares. Deseja-se apenas que seja um local que proporcione à mãe e à criança a segurança, a higiene e o conforto que merecem.

A  Organização Mundial da Saúde recomenda que as crianças sejam amamentadas de forma exclusiva (só leite materno, mais nenhum outro alimento) nos primeiros seis meses de vida e que nesta idade iniciem a introdução de alimentos complementares, mantendo-se a amamentação até pelo menos aos dois anos de idade. Esta é uma prática de saúde.

Há uma premissa para o sucesso do aleitamento materno exclusivo: amamentar quando o bebé solicita, o chamado “horário livre”. Em casa. Num jardim. Num centro comercial. Num restaurante. Num café. Numa igreja. Numa qualquer repartição de prestação de serviço. Em paz e sossego.

Cada mãe aleitante é que decide se amamenta ou não em público. Cada uma é dona do seu corpo, das suas mamas, do seu projeto de amamentação. Por mim, estou com todas as mães que amamentam. Bem hajam! Sempre que vejo uma mãe a fazê-lo, é mais do que certo que olho e sorrio, mostrando o meu apoio.

No nosso Portugal, não há lei que proíba a amamentação em espaço público ou privado de uso coletivo.

Parece também não termos nenhuma lei que diga claramente que é permitido amamentar em público. No Brasil, onde perceciono um grande esforço na promoção do aleitamento materno a par de muito preconceito na amamentação em público, existe legislação que explicita o direito de amamentar em qualquer ambiente, público ou privado.

Focando novamente o contexto português, o Decreto-Lei 70/2000 de 4 de maio, sobre maternidade e paternidade, refere no Capítulo II, alínea i) do artigo 8º, que no âmbito da proteção da saúde, é incumbência especial do Estado “desenvolver as medidas adequadas à promoção do aleitamento materno”. Este é um bom princípio, que bem precisa de ser assimilado por todos nós, de pessoas a entidades públicas e privadas, sejam elas quais forem.

O facto é que amamentar é um ato normal e natural.

Venha daí um megafone: AMAMENTAR É UM ATO NORMAL E NATURAL!

Se as mamas ficam bem quando em topless numa praia ou num desfile de Carnaval,

se ficam bem quando aconchegadas num top, crop top, tank top, ou qualquer outro top,

se ficam bem quando adornadas por um decote, recatado ou generoso, redondo, quadrado, em V, em coração, drapeado, grego, assimétrico ou cruzado e o mais que for…

também ficam imensamente bem a amamentar uma criança.

Entendo que é a sexualização exagerada da mama feminina, vigente nas cabeças de umas e de outros, que está na raiz da questão e de situações como a relatada pela Maria.

Não compliquemos nem boicotemos a prática do aleitamento materno. Mulheres que amamentam precisam de apoio da família, de amigos, de conhecidos e desconhecidos, dos profissionais de saúde, das comunidades, das entidades patronais e do Estado.

E simplesmente porque amamentar é, sem a menor dúvida, à luz da evidência científica, uma prática com impacto positivo na saúde das crianças (e não só).

É prática para promover, proteger e apoiar.

Não deveria ser necessário gritar algo tão básico, contudo, venha de lá outra vez o megafone: AMAMENTAR É UM ATO NORMAL E NATURAL!

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AUTOR(A)
Ana Candeias

Ana Candeias nasceu em 1965 na cidade de Lubango, Angola. Licenciou-se em Ciências da Nutrição e Alimentação pela Universidade do Porto. É nutricionista no Centro de Saúde de Olhão e leciona a disciplina de Comunicação no curso de Dietética e Nutrição da Universidade do Algarve. Aos cinquenta e quatro anos, num desusado impulso, permitiu-se iniciar a sua caminhada na escrita criativa cumprindo um sonho por anos abafado. Porque chega um momento em que «se não é agora, será nunca.»

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