Autor(a):

Maria Gaio

Sons e tons

Na aurora dos tempos impôs-se a lei do mais forte, a sonoridade de um mundo em construção. À medida que o Homem evolui, outros sons se fazem ouvir e transformam-se em regra. Para seu deleite ou tocar o seu semelhante. Infelizmente, a obrigatoriedade uniformiza comportamentos que tornam o mundo tirano.

O som propaga-se pela cidade em cada cidadão e reverbera no seu ser

O maestro conduz a orquestra e seus andamentos. A batuta impõe que executes a sinfonia.

A regra faz-se ouvir numa melodia que dita comportamentos e exige o gesto e o instrumento. Transforma-se em parábolas entoadas pelo coro do poder e da força. Em danças ou numa cantilena repetitiva e dormente.

Começa num andamento lento que vai aumentando a cada etapa do caminho. A melopeia marca o compasso das palavras. A voz imprime-lhes o som que a faz pulsar. Tens de compreender, avançar e escutar para continuar a execução. Começas a questioná-la.

 

*

 

O contrarregra anuncia a tua entrada no palco. Que se cumpra a palavra num timbre universal! Sopra forte, mas soma descontentamento.

As palavras começam a chocar entre si e geram torrentes de desejos e manifestações numa cacofonia de instrumentos vocais. Nada mal, para aqueles que se unem numa mesma causa.

Isto não agrada ao maestro que escala o andamento. Torna-o em tempestade que derruba tudo quanto se opõe. Convoca um tornado que tudo arranca, progride na terra e eleva-se aos céus numa espiral de breu e tremor.

Não contente, chama as ondas do mar que se unem. Formam um “tsunami” de ideias em marés que tudo alagam.

A superfície da terra fica deserta e propícia a recomeços. Ecoa o vazio.

O último sobrevivente, cheio de esperança, reconstrói tudo o que a regra destruiu, num andamento saltitante. O maestro promete ao Homem que o ajudará na missão. Buzina-lhe ao ouvido sons, tons e aromas do Paraíso. Dá-lhe poder e torna-o ambicioso. Quer dominar o outro e o mundo. Chama a si a lei da conveniência que, disfarçada de bem, a todos arrasta.

Esmaga a liberdade, aprisiona os que a seguem e incendeia um povo. Sobreviventes? Talvez! Noutro planeta com outros andamentos.

Procura-o e encontra nele uma comunidade onde se fixa.

Onde há um homem, há hábitos, regras, ambição, poder e o desejo de dominar o outro.

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AUTOR(A)
Maria Gaio

Maria Gaio, é natural de Leiria de onde emigrou com os pais para França, onde cresceu. Licenciou-se em Filosofia, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, cidade onde reside atualmente.

Muito curiosa em relação às letras, foi escrevendo e guardando, tendo publicado o seu primeiro livro em 2019, intitulado: “Sob o ponto de Mira”, um livro de contos cujo tema é o soldado português em diversos contextos de guerra; O livro “O Capa, o V Dobrado e o I Grego”  e o “Planeta das Letras”, ambos publicados em 2022, dirigidos a um público infantojuvenil.

É membro dos Clube de leitura “Encontros Literários, o prazer da escrita”, bem como do Clube dos Writers; Publicou uma crónica no Público, intitulada “Podia ser pior”, participou com dois micro contos na  Fábrica do terror, intitulado, um “A Larva” e o outro “O dia dos mortos.

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