Nunca terminei nada —
o fim sempre me escapa.
Começo com fôlego, alma destemida,
e depois deixo cair, deixo partir,
como se a desistência fosse a única medida.
Deixo cartas por selar,
livros na página do talvez,
a mala feita a meio,
e o amor — esse — deixo para depois outra vez.
Chamam-me Ana, ou Bela, ou só mulher.
Nunca Anabela, inteira, como deve ser.
Nascida de uma morte,
filha de um nome emprestado,
a bênção nunca dita,
o corpo nunca abraçado.
Fugi uma vez. Voltei antes do fim da rua.
A sandália rasgada, a vontade crua.
Ficou tudo onde sempre ficou:
a fuga, a culpa, a dor que ninguém tocou.
Fui mulher a meio, a meio fiz morada.
Sou feita de começos, da espera, da escada.
E um dia, sem aviso, veio-me um filho.
Sem me completar, mostrou-me o trilho.
Não sei ser mãe inteira.
Mas sei ser primeira.
E talvez o requinte seja isso —
o toque que não pousa,
o verso que não rima,
a perda que não se nomeia,
o amor que, sem se fechar, se estima.
Porque o que não acaba,
continua a doer —
continua a viver.
E eu, que nunca terminei nada,
fiquei a ser.
Inacabada.