Autor(a):

Anabela Reis Moreira
Resistentia Poetica

Aquilo que Fica

Nunca terminei nada —
o fim sempre me escapa.
Começo com fôlego, alma destemida,
e depois deixo cair, deixo partir,
como se a desistência fosse a única medida.

Deixo cartas por selar,
livros na página do talvez,
a mala feita a meio,
e o amor — esse — deixo para depois outra vez.

Chamam-me Ana, ou Bela, ou só mulher.
Nunca Anabela, inteira, como deve ser.
Nascida de uma morte,
filha de um nome emprestado,
a bênção nunca dita,
o corpo nunca abraçado.

Fugi uma vez. Voltei antes do fim da rua.
A sandália rasgada, a vontade crua.
Ficou tudo onde sempre ficou:
a fuga, a culpa, a dor que ninguém tocou.

Fui mulher a meio, a meio fiz morada.
Sou feita de começos, da espera, da escada.
E um dia, sem aviso, veio-me um filho.
Sem me completar, mostrou-me o trilho.

Não sei ser mãe inteira.
Mas sei ser primeira.
E talvez o requinte seja isso —
o toque que não pousa,
o verso que não rima,
a perda que não se nomeia,
o amor que, sem se fechar, se estima.

Porque o que não acaba,
continua a doer —
continua a viver.

E eu, que nunca terminei nada,
fiquei a ser.
Inacabada.

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AUTOR(A)
Anabela Reis Moreira

Anabela Reis Moreira nasceu com o nome de um poema e a urgência de viver com sentido. Jurista e psicóloga de formação, percorreu o mundo a construir pontes entre direitos humanos, liderança e desenvolvimento humano. Com mais de 20 anos de experiência internacional — da ONU à Korn Ferry, da consultoria estratégica à formação —, é hoje uma referência em liderança consciente, talento e cultura regenerativa.

Filha de uma mulher que nunca andou e de um homem com um problema de fala, aprendeu cedo que o corpo é palco de injustiças — mas também de potência. Movida pela liberdade, pela integridade e por um amor feroz à verdade, liderou organizações internacionais, desenhou programas de transformação, escreveu livros e fundou a NAU – Ecossistema de Liderança.

Autora de 15 obras, mãe aos 43, educadora voluntária em direitos humanos, acredita que a aprendizagem é o maior acto de resistência. Fala com a leveza de quem sofreu, mas nunca desistiu.

Anabela não ensina para entreter. Ensina para transformar. Escreve para dar corpo ao que se cala.

E lidera com presença, porque sabe que o futuro começa em cada decisão — com coragem, consciência e impacto.

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