Autor(a):

Ana Salgado
Língua Mátria

A revisão de texto e a utilidade dos dicionários

A revisão de texto é um processo meticuloso que visa garantir a correção, clareza e coerência de um conteúdo escrito. Não se limita a identificar erros ortográficos ou gramaticais, analisa também a estrutura frásica, a escolha lexical e a adequação ao contexto e ao público-alvo. Como esse trabalho exige interpretação e precisão, a consulta de dicionários é crucial.

A língua está em constante evolução – novos significados surgem, vocábulos caem em desuso e palavras estrangeiras tornam-se parte do léxico quotidiano. Para acompanhar essas mudanças, o revisor precisa de recursos atualizados que o ajudem a validar o uso adequado das palavras. É neste contexto que os dicionários desempenham um papel fundamental.

Os dicionários gerais são ferramentas de referência para verificar a grafia correta, os significados predominantes e as variantes de uso. Por seu lado, em contextos especializados, como textos técnicos ou científicos, os dicionários terminológicos são imprescindíveis. Por exemplo, um termo comum pode adquirir um sentido específico no âmbito jurídico ou médico, e apenas uma obra especializada pode garantir a precisão necessária.

Além disso, o revisor deve considerar as nuances semânticas e pragmáticas das palavras. Muitas vezes, uma escolha lexical inadequada compromete a clareza do texto. A consulta a dicionários de sinónimos e antónimos ajuda a selecionar a palavra mais apropriada, evitando repetições ou ambiguidades. Da mesma forma, os dicionários etimológicos fornecem informações sobre a origem e a evolução dos vocábulos, úteis para textos que exploram significados históricos ou culturais.

Outro desafio comum na revisão é o uso de expressões idiomáticas. O significado dessas estruturas nem sempre é intuitivo, especialmente quando traduzidas ou adaptadas de outra língua. Por exemplo, a expressão inglesa kick the bucket – que significa “morrer” – pode facilmente ser traduzida de forma literal por alguém menos atento ao seu sentido figurado. Do mesmo modo, spill the beans (revelar um segredo) pode ser interpretada literalmente, comprometendo a naturalidade e a clareza do texto traduzido. Nestes casos, os dicionários de expressões idiomáticas são ferramentas fundamentais, não só para identificar os contextos adequados de uso, mas também para encontrar possíveis equivalentes idiomáticos na língua de chegada, evitando interpretações erróneas e assegurando a fluidez e a precisão da mensagem final.

O processo de revisão também exige atenção à coerência interna do texto. Dicionários bilíngues, por exemplo, são úteis quando o texto contém elementos em língua estrangeira, garantindo a uniformidade e a tradução precisa de termos específicos.

Não se pode ignorar que, em muitos casos, a revisão implica lidar com neologismos e regionalismos. Para garantir a inclusão adequada de novos vocábulos, os dicionários contemporâneos e os vocabulários oficiais são recursos importantes, já que refletem as atualizações e os usos consolidados na língua.

A utilização de dicionários durante a revisão de texto não deve ser vista como sinal de insegurança, mas sim como prática de rigor e responsabilidade linguística. A consulta frequente permite ao revisor confirmar hipóteses, corrigir falhas e, sobretudo, garantir que o resultado preserve a clareza e a fidelidade ao propósito comunicativo do autor.

Em última análise, os dicionários não apenas auxiliam na correção formal, como também enriquecem o processo de revisão, promovendo um uso mais consciente e fundamentado da língua. São ferramentas essenciais para quem se dedica à revisão, assegurando que o texto final esteja linguisticamente correto e adequadamente contextualizado.

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AUTOR(A)
Ana Salgado

Ana Salgado é revisora, lexicógrafa e formadora. Na área da revisão e edição de texto, tem colaborado com várias editoras nacionais, como a 20|20 Editora, Guerra & Paz Editores, Relógio d’Água, Bertrand, Prime Books, entre outras. É doutorada em Tradução e Terminologia, pela Universidade Nova de Lisboa e licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia das Ciências de Lisboa e coordenadora da edição digital do Dicionário da Língua Portuguesa da mesma instituição.

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